Há um ano e pouco, escrevi um texto intitulado “Como desilude Marcelo”. Na altura, estava longe de imaginar que a minha consideração pelo Sr. Presidente da República pudesse descer muito mais, mas desceu. A redação deste texto justifica-se pois, com os sinais claros que Marcelo tem demonstrado de “embriaguez política” ao falhar no timing, no conteúdo, nos modos e nas palavras.

Nas vésperas das comemorações dos cinquenta anos do 25 de abril de setenta e quatro, é que o presidente se lembrou de trazer à discussão, tomando partido na mesma, o tema das compensações históricas às ex-colónias, um tema que está longe de ser consensual, na sociedade portuguesa, como de resto, por todo o mundo. Numa altura em que a governação está apoiada numa maioria tão frágil, dentro de uma assembleia pluralista e, por isso, dividida, o Presidente deve assumir para si o papel de garante da estabilidade política e de moderação do debate político. Ora Marcelo faz o contrário, ao contribuir para uma polarização do debate público, abordando temas de importância e pertinência, francamente, efémeras face ao contexto de governação atual. Como se tal não fosse suficientemente penoso para a imagem política do Presidente, na mesma ocasião, ainda no jantar com jornalistas estrangeiros, e num discurso que de resto durou cerca de quatro horas, (se para bom entendedor, meia palavra basta, para jornalista estrangeiro, quatro horas devem bastar), Marcelo não se inibiu de fazer comentários à pessoa do atual, e do ex-primeiro ministro, comentários sem qualquer sentido ou fundamento, e de uma deselegância e infelicidade que estão ao nível de uma criança que não sabe, ainda filtrar entre o que pode pensar mas não pode dizer. A Montengro referiu-se como sendo: “imprevisível”, por vir de um “país profundo, urbano-rural, com comportamentos rurais”. Já para descrever António Costa empregou o termo: “era lento, por ser oriental”. Tais comentários, não só, não têm qualquer cabimento, como podem ser até ofensivos para com os portugueses que, de alguma forma, se identificam com Luís Montenegro ou com António Costa. No meio de tudo isto, Marcelo conseguiu ainda referir-se à atuação da Procuradora-Geral da República, no âmbito da operação Influencer como “maquiavélica” e de um “equilíbrio sofisticado”. E num desabafo pessoal, que chegou mesmo a ser constrangedor, declarou que se encontra de relações cortadas com o filho, cometendo o erro de misturar a esfera íntima e privada, com a esfera pública.

Talvez a embriaguez de Marcelo não seja só política, a verdade é que ninguém nega a infelicidade das declarações do Sr. Presidente, nem o próprio ao ser incapaz de se justificar, não por falta de tentativa, mas por falta de capacidade para justificar o injustificável.

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