“Pouco barulho, querem falar vão para o quarto!” Era a frase que os meus pais mais diziam quando algo de importante se dizia ou passava na televisão. Inúmeras vezes o fizeram aos domingos, quando falava o professor Marcelo Rebelo de Sousa, no seu comentário semanal no Jornal da Noite da TVI. Assim, desde cedo comecei a escutar e a prestar atenção ao que se dizia na televisão, o que se passava no país e no mundo, e fui-me habituando a ver, com interesse, as notícias, reportagens e comentários que eram transmitidos. Entre os imperdíveis da semana, figurava então o comentário semanal do professor Marcelo Rebelo de Sousa. Hoje, nem eu nem os meus irmãos precisamos de raspanetes dos pais para falarmos mais baixo, e o Sr. Professor Marcelo Rebelo de Sousa é agora Exmo. Sr. Presidente da República.

Outra diferença é o facto de já não se escutar com a atenção de outros tempos o que Marcelo tem para dizer. É que sendo o cargo de presidente muito mais importante do que o de comentador, a relevância e conteúdo daquilo que diz já não é o mesmo. Tendo todo o respeito pela pessoa do senhor presidente, que não procuro de forma alguma desconsiderar, e sabendo que o poder e responsabilidade mudam sempre, por muito pouco que seja, quem os obtém, há reparos que não posso deixar de fazer. Em primeiro lugar, à forma como o presidente se tem posicionado ao longo do tempo, sobre os mais variadíssimos temas, comportando-se como um autêntico cata-vento, que procura agradar a tudo e a todos. Tomando uma decisão, revertendo-a logo a seguir, e até pedindo desculpa por posições tomadas em certas circunstâncias.

Em segundo lugar, a regularidade das suas intervenções, que ajuda em muito o primeiro ponto, pois aparecendo e falando a toda a hora, é difícil não sair um disparate de vez em quando. As suas intervenções tornaram-se uma vulgaridade, para as quais já não há paciência. Em terceiro, a sua agenda. É certo que não está totalmente sob o seu controle, mas o que diabo vai o Sr. Presidente fazer para a feira de chouriços e enchidos de Unhais da Serra ou para a feira agrícola de Peras Ruivas? A sua presença em todos estes eventos e acontecimentos, aliada à sua indomável vontade de agradar, fizeram-no refém desta figura: o presidente dos afetos, das selfies e dos beijinhos. Em último, o exagero de viagens e visitas ao estrangeiro que tem feito, sob pretexto da fortificação de laços, promoção do país ou até apoio à seleção, tendo inclusivamente viajado sem a autorização da Assembleia.

Para além destes pontos, considero extremamente grave a falta de coragem política do Presidente, que insiste em passar paninhos quentes aos lastimáveis erros do governo e não consegue olhar, olhos nos olhos dos portugueses e admitir o real estado em que se encontra a nação. Uma só palavra, basta para descrever a sua passagem, pelo Palácio de Belém, excesso. Excesso de otimismo, vulgaridade, fantasia, compadrio, deslocações, aparições, intervenções, comentários, selfies, beijinhos, abraços e força nos apertos de mão.

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