Um grande sindicalista americano, responsável pela possibilidade legal de os professores fazerem greve e terem adquirido o direito à negociação coletiva – Al Shanker – afirmava, no final dos anos 60, que defenderia os alunos no dia em que estes pagassem quota sindical. Era um tempo em que os sindicatos da educação seguiam a mesma tática e prosseguiam os mesmos objetivos que os sindicatos operários em geral. Nos anos 80, o mesmo Al Shanker percebeu que os tempos tinham mudado e que o movimento sindical da educação teria de mudar também, sob pena de ser ultrapassado pela história. Afirmou, em 1985, que o sindicalismo docente deveria abandonar a via do sindicalismo industrial e focar-se no profissionalismo docente. Contra tudo e todos, mesmo dentro da poderosa American Federation of Teachers, defendeu que os professores são profissionais e não operários e que, como tal, o seu movimento associativo deve preservar e aprofundar a sua arte e defender aqueles que são a sua razão de ser: os alunos.
Neste novo paradigma, o movimento sindical na educação deveria procurar intervir na política educativa (o que veio a conseguir) mas também no controlo de qualidade do exercício profissional. As avaliações do desempenho, a certificação de conhecimentos, a cessação de funções de quem não tiver a qualidade profissional estabelecida, passaram a ser aceites e defendidas pelos sindicatos e a constar dos instrumentos de regulamentação coletiva de muitos filiados da AFT. Em defesa da profissão, dos alunos e, consequentemente, dos seus associados.
Em Portugal, este caminho está bloqueado. Se há muitos que entendem a docência como um exercício profissional mais próximo do dos profissionais liberais (com um corpo de saber técnico próprio e grande margem de autonomia no exercício), um grupo relevante ainda se rege por uma concepção industrial e proletária da profissão. Situação que, naturalmente, se agravou no contexto de dificuldade financeira que vivemos. Vem isto a propósito do novo contrato coletivo de trabalho do ensino particular e cooperativo celebrado entre a AEEP – a associação patronal do ensino particular – e a frente de sindicatos da UGT (FNE e outros) e publicado a 15 de agosto no boletim do trabalho e do emprego.
É um contrato totalmente novo, exigente, inovador que procura equilibrar quer o contexto de dificuldade que vivemos, preservando emprego, quer as necessidades de maior flexibilidade de organização do trabalho exigidos atualmente (o contrato anterior tinha já mais de 20 anos). Quanto ao contexto económico, não é possível fingir que não houve uma brutal perda de poder de compra das famílias, uma enorme diminuição do financiamento do Ministério da Educação nos contratos de associação, cursos profissionais e cursos vocacionais. Quanto à maior flexibilidade na organização do trabalho, a recém-conquistada autonomia pedagógica, administrativa e organizativa do setor têm como principal objetivo que cada escola desenvolva o seu projeto educativo próprio e se possa organizar pedagogicamente em função dele. A diversidade de projetos será uma riqueza para o sistema e permitirá às famílias portuguesas encontrar, cada vez mais, a educação que pretendem para os seus filhos. Para isto, o contrato coletivo de trabalho não pode assentar numa prática docente igual em todas as escolas; tem de ser flexível indicando limites.
Por fim, uma nota sobre o modo como este contrato foi negociado e acordado. Porque se trata de um acordo exigente para ambas as partes, só foi possível ser celebrado porque assenta numa relação de confiança entre parceiros, não sendo o resultado de um processo adversarial como até aqui. A AEEP e a FSUGT têm interesses diferentes e algumas perspetivas conflituantes, mas são parceiros pois sabem que a solução está na concertação social e não na conflitualidade militante.
Vem isto a propósito da situação crítica do nosso país e do nosso futuro coletivo. Acontecimentos recentes – na banca, no ensino, na área social, na política – têm minado a confiança dos cidadãos nas instituições. Pior; têm minado a confiança das pessoas entre si. O problema é que melhores leis, melhor regulação, novos líderes ou novas tecnologias não vão reconstruir Portugal. Quem o vai fazer somos nós; juntos. Mas para isso precisamos de cuidar e fomentar relações de confiança. Institucionais e pessoais. É difícil e exige uma liderança corajosa. Mas a concertação social é a base do restabelecimento da confiança e esta é o ingrediente principal do crescimento – e único modo de sairmos do buraco.
Director-Executivo da Associação dos Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (AEEP)