Estaremos em breve em situação de voltar a uma fase de retirada de medidas, e deveríamos por isso fazer um esforço para rapidamente ter a economia de novo a recuperar de forma robusta.

Ter 5 a 6 mil novos casos por dia, ainda que seja menos de metade do que se verificou em Janeiro, não é propriamente sinal de controlo epidemiológico. Temos de baixar o número de novos casos por dia, claramente para baixo dos 1000 novos casos por dia, de preferência abaixo dos 500, para ser possível aos poucos mais de mil rastreadores em Portugal, terem possibilidade de facto de rastrear os surtos que vão surgindo todos os dias. Sempre com o objectivo de tendencialmente levar os casos a zero, para não mais ser necessário nenhum confinamento ou qualquer tipo de limitações às nossas liberdades.

Desde que entramos no primeiro confinamento em Março, que temos vindo a alertar para a necessidade de testagem e rastreio, como forma de manter a epidemia controlada. Quase um ano depois está difícil que o Governo avance de uma vez por todas com uma estratégia de testagem massiva e rápida.

A sensação que dá é que o Governo vê o confinamento como a única ferramenta para controlar a epidemia, e o rastreio e a testagem, que são a principal razão de sucesso do combate à epidemia em inúmeros países que o conseguiram fazer muito melhor que nós, parecem ferramentas com que o Governo não se sente tão à vontade.

Naturalmente e após o início do processo de desconfinamento, iremos de novo ter todas as fronteiras abertas, nomeadamente no espaço Schengen, mas para que não voltemos a assistir a uma subida de casos, isso deve ser implementado com um sistema de teste e rastreio epidemiológicos em todas as fronteiras com obrigatoriedade de apresentação ou realização de teste rápido à Covid-19.

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É fundamental a testagem nas fronteiras para um país como Portugal que depende tanto do turismo, voltar a dar uma imagem de país seguro, e voltar a ser um destino de eleição para os turistas durante o ano 2021, agora que se espera uma recuperação muito robusta do Turismo internacional, com as pessoas a quererem “vingar-se do ano horribilis” que foi 2020.

Hoje há soluções de testagem antigénio, lamp, espectral, com recolha de amostra de lavado bocal, saliva, ou mesmos nasofaríngea (como nos testes PCR), que permitem por um décimo dos preços dos testes PCR, obter resultados em menos de 15 minutos (antigénio) e alguns mesmo instantâneos (menos de 1 segundo) como o caso dos testes espectrais. Há até um consórcio de empresas a trabalhar os chamados testes “FAIR – Fast, Affordable, Innovative and Reliable” (rápidos, acessíveis, inovadores e confiáveis), testes rápidos estes que podem ser usados como dispositivos de triagem nas fronteiras entre países, proteger as bolhas de viagens e impulsionar a recuperação da economia. Estes testes irão permitir testagens em massa, acessíveis para todos e ajudar o mundo a retomar uma vida normal.

A ideia é que, ou apostamos na testagem massiva, ou tão cedo não descemos para números facilmente rastreáveis. Também não é bom pedir aos portugueses para fazerem o sacrifício dos confinamentos, que com sucesso conseguiram suprimir o vírus em Portugal após o confinamento da primavera passada (a variante original que circulou em Portugal no princípio da pandemia, deixou de circular cerca de dois meses após o confinamento), e depois deixarem entrar potencialmente milhares de infectados, todos os dias, como aconteceu naquelas altura, em que entre Maio e Agosto, chegaram milhares de voos do Brasil, do Reino Unido, e pelas fronteiras terrestres de Espanha, e de outros países, que vieram fazer aparecer novos surtos com novas variantes, que inicialmente se fizeram sentir sobretudo em Lisboa e Vale do Tejo, mas que mais tarde sobretudo a partir de Agosto, com as férias, se espalharam ao restante território nacional.

Tem de haver algum tipo de testagem massiva sistemática semi-obrigatória ou pelo menos fortemente recomendada, eventualmente ao nível das empresas, para todos os que estão no activo, para minimizar a transmissão entre colegas no trabalho, e depois nas suas “bolhas” familiares.

Numa fase como a que entramos, os testes descem na mesma proporção das pessoas com sintomas (porque não há testes a assintomáticos devido ao pouco rastreamento), e como há menos gente com sintomas, mantém-se um número ainda significativo de assintomáticos a transmitir aos outros, e assim não conseguimos descer a curva como devíamos, e ficamos num patamar de novos casos diários, muito mais elevado que o desejável.

Era preciso que o Primeiro-Ministro António Costa chamasse a si esta iniciativa e mandatasse o Ministério da Saúde a criar e implementar um plano governamental, idêntico ao Plano Dinamarquês ou Uruguaio (para dar apenas dois exemplos), recorrendo a intervenções ao nível local, em parceria com as autarquias, e contando com o apoio das Forças Armadas, da Cruz Vermelha, dos Laboratórios e da Associação Nacional de Farmácias, apostando primeiro em zonas com maior prevalência.

O único senão é que a prevalência é alta em todo lado, como se tem visto pelos processos de testagem em massa que já foram sendo implementados por algumas autarquias, como Sernancelhe, São João da Pesqueira ou Viseu, mas com uma rede de centenas ou mesmo milhares de postos de testagem, dava para cada pessoa o poder fazer semanalmente, muito melhor do que criar equipas de testagem móveis.

Este plano deverá sempre partir do Governo, porque deveria envolver uma comparticipação do custo dos testes (total ou parcial), o que acaba por ser um investimento grande, no entanto diminuto quando comparado com o impacto que os confinamentos têm na redução do PIB.

Á medida que se for abrindo, por sector, deveria se fazer testagem em massa: abrem-se as escolas, testam se funcionários e alunos; abrem-se shoppings, testam-se funcionários; e assim sucessivamente. Basicamente uma pessoa só estaria confortável para desconfinar sabendo que fez o teste, tal como se estivéssemos numa quarentena global e fôssemos progressivamente e de forma estruturada quebrando essa quarentena, com a realização dos testes. Temos de compensar o desconfinamento com o aumento da testagem. Temos de fazer um desconfinamento progressivo, abrindo os diferentes ciclos de ensino gradualmente, e mantendo uma monitorização, com testes e rastreio dos assintomáticos.

Na próxima reunião do Infarmed este assunto devia ser discutido, pois com esta descida dos casos, não podemos fazer como em Maio, pois não será aceitável voltar a desconfinar sem prevenir, para evitarmos novos confinamentos e mais destruição da economia. O Governo não preveniu em Maio e vemos como correu. Também não podemos repetir o que aconteceu no Natal (o risco agora é ainda maior, devido à presença da variante inglesa), temos de manter o controlo epidemiológico, não sobrecarregar os serviços de saúde outra vez, e sobretudo sair de uma vez por todas da recessão económica e espiral de dívida, que podem “matar” Portugal no pós-pandemia.

As próximas três semanas podem servir para planear um desconfinamento gradual e progressivo, assente numa estratégia alargada de testagem e de rastreio, além de um sistema de alertas que dê sinal se a epidemia voltar a agravar-se como aconteceu nos últimos meses. É preciso passar a ter critérios mais flexíveis na testagem e não podemos reduzir os recursos humanos para rastreio de contactos assim que a incidência começar a baixar. Terá de ser a testagem e o rastreio a servir de pressão na mola para o controlo da situação quando as medidas começarem a ser aliviadas.

Portugal continua a ocupar a pior posição no mundo em novas infecções e óbitos, os hospitais estão muito sobrecarregados e é preciso mais tempo para perceber com que velocidade e a que ritmo se faz esta descida. É ainda cedo para se dizer que estejamos sempre daqui para a frente em descida de novos casos, por isso é aconselhável que se verifique que a descida se mantém durante um período de tempo prolongado.

Aliviar as medidas de confinamento antes de se ter uma estratégia de testagem massiva e alargada seria mau demais e mostraria que mais uma vez o Governo não soube planear com antecedência, tal como não o fez em Maio e Dezembro passados. Será que esta é a vez…?

Agradecimentos ao Think Tank informal “INFO | Covid-19” pelos seus contributos.