Queria mandar daqui um sentido abraço solidário a Emília Cerqueira. O leitor recorda-se de Emília Cerqueira? É a deputada do PSD que marcava as presenças dos colegas que faziam gazeta. Foi constituída arguida por fingir que no plenário estavam deputados do PSD que, na realidade, se lá estivessem também não iam estar a fazer nada. Marcou falsas presenças a presenças falsas. “Emília, se alguém perguntar, diz que eu estou aí a não fazer a ponta chavelho, se faz favor”. Ou seja, Emília Cerqueira arrisca-se a ser punida por um crime inútil. O que ela fez, além de errado, não tem serventia. É como um ladrão arriscar-se a roubar a Mona Lisa para a pendurar no quarto do Andrea Bocelli.

Não podemos dizer que não fomos avisados. Rui Rio já nos tinha deixado pistas. Durante a campanha eleitoral, disse que não tem particular entusiasmo em ser deputado. Pelos vistos, o entusiasmo não é particular, nem geral. Não só não faz questão em ser deputado, como não faz questão que mais alguém seja. Rui Rio é o cortes das Cortes.

O líder do PSD acha que debates quinzenais são um circo, mas que debates bimensais não. É possível que tenha razão e que os palhaços, com mais tempo para reflectirem, percebam que devem ser menos histriónicos e mais sérios. Ao fim de três semanas a meditar, o palhaço larga o nariz vermelho. Passado um mês, os sapatos gigantes. Passados dois, já não começa a interpelação ao PM com “meninos e meninas!” São 60 dias preciosos, durante os quais um Batatinha se transforma num Cícero. Ou então não se passa nada disso e a única coisa que acontece é a substituição do Circo Chen pelo Circo Chiu.

Mais de 4 séculos depois de uma conspiração católica ter tentado rebentar com o Parlamento inglês, o nosso Rui Fawkes percebeu que a melhor forma de silenciar a actividade parlamentar não é com um estrondo, é com sossego.

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Rui Rio considera que o PM não tem tempo para andar a responder a deputados, precisa desses momentos para trabalhar. É verdade que António Costa parece andar assoberbado, daí ter contratado o Presidente da Partex para desempenhar a sua função. Mas não me parece que isso seja razão suficiente para acabar com os debates. Não se pode dizer que roubassem muito tempo ao Primeiro-Ministro. Tirando as duas horas que duram, que espaço de agenda é que António Costa lhes dedicava? Que dossier precisa estudar para não responder ao que é perguntado?

O que se passa é que Rio considera que Costa é um grande tribuno, que replica sempre com genialidade. Com o fim dos debates quinzenais, Rio retira palco para o PM se evidenciar. Por exemplo, veja-se o caso da Procuradoria Europeia, em que o Governo nomeou o candidato que tinha ficado em 2º lugar, preterindo Ana Mendes de Almeida, a procuradora que ordenou as buscas ao Ministério da Administração Interna, por suspeitas de corrupção no caso das golas inflamáveis. Rui Rio tem medo que, se algum deputado questionasse o PM sobre este tema sensível, Costa respondesse com mestria, dizendo que escolheu o 2º classificado porque Ana Mendes de Almeida é uma procuradora tão competente e tão incómoda para o Governo, que é uma pena ir trabalhar para o estrangeiro. Compreensivelmente, Rio não quis dar a Costa oportunidade para brilhar.

Há que dizer, no entanto, que houve aqui uma aliança de apetites. Se Rio propôs, Costa não protestou. Rio diz “mata!” e Costa só não diz “esfola!” porque não responde quando é suposto. Aliás, António Costa nunca gostou muito que lhe fizessem perguntas. Uma vez repreendeu uma jornalista da SIC por aparecer detrás de um carro. Às vezes, na Assembleia da República, ao ser surpreendido por uma pergunta incómoda, faz a mesma cara de ofendido e parece mesmo que vai dizer “então a Sra. Deputada aparece-me inopinadamente de dentro de uma Bancada Parlamentar?”

Quer Costa, quer Rio, sempre negaram a vontade de fazer um Bloco Central. Mas é uma rejeição assente num preciosismo. Eles descartam o Bloco Central, é verdade, porque o que fizeram foi o Bloco de Cimento Central, que vai servir de par de sapatos para levar a Democracia Parlamentar ao fundo, como nos filmes de mafiosos.

Talvez esteja a ser um bocadinho melodramático. Isto não é assim tão grave. Afinal, que consequências calamitosas advém do facto de o PM deixar de ir tantas vezes prestar contas à AR? Dizia-se, por exemplo, que os pequenos partidos iam sair prejudicados, mas isso não sucedeu. Pelo contrário, aliás. Desde que a decisão foi tomada, não só não desapareceu nenhum dos pequenos partidos, como até surgiu mais um. Parabéns, PSD.