Um dos mais recorrentes problemas da sociedade portuguesa, é a acentuada degradação dos serviços públicos. Mais uma vez, várias escolas não abriram no início do período escolar, por falta de funcionários. Um dos casos — não releva para o efeito qual é a escola — é sintomático e até pitoresco: o número no quadro de assistentes operacionais (antes designados por contínuos) dessa escola é 32. O quadro só está preenchido por 21 e, destes 21, 6 estão de baixa. Restam efectivamente 15, acrescendo que estes 15, ao contrário da generalidade dos trabalhadores portugueses, têm um horário de 35 horas semanais.
Este cenário repete-se praticamente em toda a administração pública, sendo noticiados apenas os casos visíveis, em que o contacto com o público não permite esconder estas iniquidades. Se pudéssemos conhecer a produtividade do chamado back office, provavelmente seríamos acometidos dum susto colectivo.
Esta situação de degradação, é especialmente grave nos serviços de saúde, no registo civil, nas escolas, nas forças de segurança e nos tribunais administrativos. Ou seja, onde o funcionamento é mais deficiente é em algumas das áreas a que está afecta a maior fatia do orçamento do Estado. Esta situação, que prejudica directa e quotidianamente todos os portugueses, é um tema praticamente ausente dos debates (se isso se pode chamar ao que temos visto e ouvido) da pré-campanha eleitoral. Isto é, ninguém no poder político se interessa realmente pelo estabelecimento de um regime de eficiência e de responsabilidade nos serviços públicos. Nem se fala no assunto, quanto mais prometer alguma coisa…
Voltemos ao caso concreto da atrás referida escola. Em primeiro lugar, se a escola tem funcionado com 21 funcionários, porque razão se mantém o Quadro com um número de 32? De facto, com seriedade, ou se preenche os 32, ou reduz-se em definitivo, esse Quadro imaginário para 21.
Em segundo lugar a percentagem de funcionários em baixa nessa escola é escandaloso. Perto de 30% do número dos efectivos reais. Há alguns meses uma Directora de um estabelecimento prisional também afirmou na Assembleia da República que o seu quadro de guardas era de 30 (ou perto disso), dos quais meia dúzia nunca os tinha visto e outros 6 ou 7 estavam de baixa. Mais uma vez, perto de 30% de absentismo.
Quando, por exemplo, nos dirigimos a um hospital privado, a uma companhia de seguros, a uma empresa de comunicações, se existem quatro postos de atendimento na recepção ao público, habitualmente os quatro postos estão preenchidos. Nos serviços públicos, sejam hospitais, registo predial, civil ou repartição de finanças, normalmente estão ocupados metade dos postos, quando não está apenas um funcionário. Uma das razões explicada pelo ou pelos funcionários que restam, quando a razão disso lhes é inquirida por algum utente mais atrevido, é que o colega está – fácil de adivinhar — de baixa.
Não fosse o assunto sério, quase poderíamos admitir que os funcionários públicos têm especiais fragilidades de saúde que, por motivos insondáveis, os portugueses que trabalham no sector privado não sofrem. Em 2017, o Ministério da Segurança Social prometeu que em 2018, estas situações abusivas, iriam ser objecto de maior controlo, através de um reforço da fiscalização. Dois anos decorridos sobre essa promessa, ou os fiscais são poucos, ou boa parte deles também estará de baixa, porque de facto a realidade demonstra que a situação é a mesma, ou pior.
A falta de resposta e eficiência dos serviços públicos não é apenas, direi mesmo não é sobretudo um problema orçamental ou financeiro. Com ou sem cativações, em muitas situações, o resultado era o mesmo. A administração pública portuguesa é ineficiente e nunca conseguiu deixar de o ser, tenha mais ou menos verba orçamental. Por isso, colocar mais dinheiro em cima de “mau dinheiro”, nunca resolveu nada em sítio algum.
Quando a organização da administração pública, algum dia lá para o ano 2525, for estruturada na base da diferenciação salarial na mesma categoria entre os funcionários competentes, interessados, assíduos e responsáveis e os funcionários absentistas e improdutivos, através de avaliações realmente independentes; quando a desvinculação ao Estado dos funcionários mal classificados passar a ser possível, acabando com o emprego para toda vida, talvez então não seja necessário esperar um ano por uma consulta médica, seis meses por um cartão de cidadão, ou alguns anos por um qualquer licenciamento. Apesar de todo o progresso inegável que Portugal obteve depois de aderir à União Europeia, apesar de todos os vários Simplex, a realidade, essa coisa incómoda que é a realidade, demonstra que na administração pública os nossos resultados são medíocres.
Jurista