A expressão popular “manga de alpaca” é um termo pejorativo utilizado para designar profissionais com funções rotineiras, que utilizam processos antiquados e que são excessivamente zelosos com os aspectos burocráticos. As “mangas de alpaca”, propriamente ditas, já deixaram de ter uso como vestuário, mas os seus portadores mentais continuam a campear no nosso país.

De tempos a tempos, com iniciativas como o Simplex, surge uma aparente vontade do Estado de simplificar os procedimentos e facilitar a vida aos cidadãos, que, já agora, como contribuintes, são quem paga os salários dos numerosos “manga de alpaca”. Mas estas intenções simplificadoras são apenas aparentes.

A título de exemplo – já lá vão dez anos – uma Resolução do Conselho de Ministros (39/2013.) estabeleceu os referenciais estratégicos e operacionais do modelo de governação do Acordo de Parceria e dos Programas Operacionais (nova designação do QREN 2014-2020). Esse programa tencionava, através da introdução do princípio de “uma só vez”, dispensar a apresentação pelos particulares de documentos já detidos pela Administração Pública. Algo que a Resolução designava pela quase ininteligível expressão “desenvolvimento e disseminação de boas práticas de avaliação sistemática do impacto regulatório”. Começar a intenção de simplificar, com expressões deste teor num diploma legal, convenhamos que não foi um bom prenúncio. Mas, ainda assim, existe quem cumpra esta directiva simplificatória: a actual Ministra da Justiça dispensou a renovação da certidão de óbito dos defuntos, o que, tendo em conta a irrelevância da sua restante acção política, lhe terá garantido uma nota de rodapé na história do seu ministério.

Vejamos agora um novo exemplo do modo como o Estado faz chegar (ou não faz) os apoios aos cidadãos.

No âmbito do PRR, em 18 de Julho de 2023 foi publicado o Aviso de Abertura de Concurso para Apoio a Edifícios mais Sustentáveis. (AAC 05/C13-i01/2023).

O objectivo deste apoio é contribuir financeiramente para reabilitar e tornar os edifícios energeticamente mais eficientes, designadamente, a melhoria dos níveis de conforto para os seus utilizadores. Para tanto, este Aviso mobiliza, por ora, 30 milhões de euros de apoio e destina-se a pessoas singulares proprietárias, que residam permanentemente na habitação. Trata-se de um apoio directo aos cidadãos, portanto, uma presuntiva boa ideia.

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Com este apoio, que pode atingir 7.500 Euros por candidato, estes podem substituir janelas não eficientes por janelas eficientes; substituir isolamento térmico em coberturas, paredes ou pavimentos; sistemas de aquecimento e/ou arrefecimento ambiente; águas quentes sanitárias; sistemas fotovoltaicos e outros equipamentos de produção de energia renovável.

Até aqui tudo se afigura interessante, mas há que olhar agora para as condições de elegibilidade. Assim, o interessado em candidatar-se a este apoio, tem duas opções, consoante já tenha executado recentemente as obras de substituição ou não o tenha ainda feito.

Quem já tenha feito a obra, desde que a factura do pagamento seja de data posterior a 1 de Maio de 2022 e anterior à submissão do pedido do apoio, pode candidatar-se, mas neste caso, trata-se de alguém que já tinha executado e pago os trabalhos e este apoio surge como um totoloto à segunda-feira. Não foi por existir incentivo, que executou as melhorias na habitação.

Quem ainda não tenha feito a obra e perante o conhecimento do incentivo, as decida fazer, tem uma janela de oportunidade entre a data do Aviso do Concurso, ou seja 18 de Julho, e 31 de Outubro de 2023, isto é, pouco mais de três meses (logo por azar, os meses de férias de trabalhadores e fornecedores) para apresentar a sua candidatura. Mas o problema não seria apresentar a candidatura. O que o Aviso determina é a obrigação de ter tudo já executado e pago antes de poder apresentar a candidatura.

Senão vejamos: com a submissão do pedido, o candidato deve apresentar a fatura e respetivo recibo com data igual ou posterior a 1 de maio de 2022 e anterior à data da submissão da candidatura na plataforma, com todas as despesas e trabalhos discriminados, em conjunto com os documentos obrigatórios por tipologia de intervenção.

Deve também juntar evidência fotográfica da habitação alvo de intervenção e da solução, equipamento ou sistema instalado, antes e após a implementação de cada tipologia de intervenção candidatada, e que permita evidenciar a realização efetiva da obra e relacionar a despesa apresentada com a obra executada. Em alternativa à evidência fotográfica, pode ser apresentado certificado energético atualizado, emitido antes e após a realização da obra, que reflita e ateste a intervenção.

O prazo para apresentação das candidaturas na plataforma do Fundo Ambiental, decorre desde o dia 16 de agosto de 2023 até às 17h59 do dia 31 de outubro de 2023, ou até à data em que seja previsível esgotar a dotação prevista, consoante o que ocorra primeiro.

Quem se sinta incentivado pelo apoio por via da publicação do Aviso terá, durante os três meses de verão, de: a) escolher o equipamento; b) garantir que o produto existe para entrega imediata; c) encontrar um instalador que execute a obra e que a termine num prazo tão curto. Depois, deverá obter certificação e um conjunto adicional de papelada, que não existe espaço para aqui descrever. Tudo isto em 3 meses…

Ainda assim, o candidato fica dependente da avaliação do financiador sobre se a sua obra preenche todos os requisitos técnicos do Aviso e legislação aplicável, que é vasta e densa.

Por conseguinte, estabelecer uma janela de oportunidade entre 18 de Julho de 2023 e 31 de Outubro de 2023, para o particular interessado em obter uma comparticipação na melhoria ambiental da sua casa, nas condições de carência actual de materiais e mão de obra em Portugal, é absolutamente mirifico e portanto praticamente impossível de concretizar.

Com este tipo de apoios, fica absolutamente transparente que os gestores públicos do PRR desconhecem completamente (ou fingem desconhecer) a realidade do sector de construção e instalação de equipamentos, onde a carência de mão de obra é neste momento um colossal problema. Qualquer cidadão que tenha um pequeno problema técnico na sua habitação, conhece a dificuldade – pague o que pagar – de encontrar um profissional disponível para resolver a anomalia. Só na gestão do PRR, pelos vistos se desconhece esta situação.

Ao fixar um prazo tão curto para a elegibilidade das candidaturas, o Fundo Ambiental permite que legitimamente se questione, se há mesmo vontade de conceder algum apoio ou afinal, tudo isto é só para cumprir calendário.

Divorciado da realidade no exercício das suas funções, o ancestral “manga de alpaca” do Estado, continua bem vivo, presenteando os cidadãos com este tipo de “apoios” e merecendo sem dúvida, um obrigado por nada.