Em 29 de Julho deste ano, o governo anunciou que a “libertação chega em Outubro” com o fim da máscara na rua e horários até às 2h da madrugada. O anúncio solene de esta data de 1 de Outubro ser nos dias seguintes a 26 de Setembro, dia das eleições autárquicas, foi, claro, uma simples coincidência. Então chegamos a 1 de Outubro e, como prometido, o dia da libertação foi confirmado. “É o momento de podermos passar a gerir a pandemia de acordo com a taxa de vacinação”, foram as palavras do chefe do governo, no rescaldo dos discretos resultados do seu partido nas eleições autárquicas. A mensagem era clara: a liberdade será quase total. Os bares e discotecas reabrem portas, os certificados e máscaras serão quase dispensados e a vida nos restaurantes regressa ao normal. Eram as novas medidas. Pelos vistos duraram pouco. A habilidade do vírus continua a ganhar à habilidade dos spin doctors que aconselham o governo e a inventada estratégia do “dia da libertação” acabou num verdadeiro fiasco, quer eleitoral, quer na credibilidade das instituições de saúde.

Enquanto se entretinha os portugueses com a miragem do dia da libertação, a 30 de Setembro deveria ocorrer outro facto: a decisão pelas instituições do Estado – sempre o Estado, tão insistentemente presente como o vírus – sobre as candidaturas submetidas aos fundos para a inovação empresarial do Plano de Recuperação e Resiliência (a dita bazuca, triste designação sugerida por mais um fraco spin doctor) e do Portugal 2020. E o que sucedeu quanto a isto? Nada. A resposta a estas candidaturas, ou seja, o financiamento de projectos que criariam inovação e emprego, continuam na gaveta e 19 mil milhões de intenções de investimento mantêm-se adiadas. Até existindo na lei a consequência da demissão imediata dos dirigentes dos institutos públicos que não cumprissem os prazos de resposta, a lassidão da administração pública é tão genética que nem os prazos foram cumpridos, nem os dirigentes foram demitidos. E verdade seja dita, demitidos para quê? Se outro for designado teria o mesmo destino. É seguramente mais fácil escapar ao vírus que a uma espécie de “doença do sono” em que vivem as instituições do Estado, que contagia inexoravelmente quem lá entra e para o qual não existe vacina.

A explicação para este atraso na resposta será, segundo alguns antigos ou actuais responsáveis governamentais, a falta de meios humanos, nomeadamente de peritos. Isto é realmente de pasmar. Falta de meios humanos? Então se algo tem aumentado nos últimos seis anos são as admissões na função pública. Afinal os funcionários que existem fazem o quê? E os novos admitidos, são para fazer o quê? A nossa percentagem de funcionários públicos está em linha com a dos demais países da UE. Mas sempre que existe algum desafio que ultrapasse a mera rotina são necessários mais meios. O Ministério Público não tem meios e peritos para investigar os crimes económicos e financeiros. O IAPMEI e a ANI não têm meios e peritos para avaliar as candidaturas aos apoios do PRR. Os hospitais não têm médicos especialistas para agendar consultas em tempo útil. Para o processo de vacinação de 2021 foi necessário contratar novos profissionais e beneficiar da participação de muitos voluntários. Agora, para controlar as entradas nos aeroportos nacionais vão ser contratados trabalhadores de empresas privadas. Os trabalhadores da função pública em Portugal são mais de 600 000. Quantos estão de baixa? Quantos ainda estão, ou voltarão a estar, em teletrabalho? Qual é o nível de produtividade dos funcionários de Estado, comparado com os trabalhadores dos sectores social e privado?

Soluções para este ancestral problema, que não afecta apenas Portugal, mas é generalizado, serão deveras complicadas de encontrar. Mas simplesmente admitir mais funcionários, sem cuidar de saber porque não conseguem 600 000 funcionários cumprir prazos ou superar qualquer dificuldade ou sobrecarga sem imediatamente se recrutar no exterior o auxílio, não é seguramente uma das soluções. Como diria José Régio, “não sei por onde vou, mas sei que não vou por aí.”

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