O próximo Governo irá ter uma conjuntura bem diferente dos últimos quatro anos. Os sinais de recessão na Europa adensam-se: as instituições internacionais continuam a rever em baixa o crescimento das economias e das trocas comerciais internacionais; a Alemanha pode já estar em recessão e o Banco Central Europeu (a instituição europeia com mais informação sobre o estado da economia) decidiu baixar as taxas de juro, retomar o programa de compras de dívida e melhorar as condições de financiamento dos bancos. A dúvida que permanece é sobre a intensidade da próxima recessão.
O actual Governo manteve a direcção, que vinha da legislatura anterior, na consolidação das finanças públicas e registou avanços importantes no saneamento da situação financeira da banca, conseguindo manter a confiança dos investidores e das empresas. Foi possível aumentar a despesa com os funcionários públicos e as prestações sociais reduzindo o investimento público para valores mínimos, poupando na despesa com juros da dívida e aumentando a receita fiscal para valores máximos.
Na próxima legislatura aquelas condições não se vão repetir. A margem para a poupança com os juros da dívida é mais reduzida. O investimento público vai ter de aumentar para evitar rupturas, com consequências imprevisíveis, nos serviços públicos e nas infraestruturas. Também a execução dos fundos europeus vai exigir mais investimento público. Por outro lado, vai ser mais difícil repetir os ganhos de receita fiscal da última legislatura porque a probabilidade de uma recessão na Zona do Euro é elevada e porque o aumento do emprego também não se vai repetir.
Num contexto de baixo crescimento ou mesmo recessivo, o próximo Governo vai ter menos para distribuir aos funcionários públicos e aos pensionistas. O aumento do investimento público ou a baixa de impostos, previstos nos programas eleitorais, podem ajudar a estimular a economia. Todavia, ambas as políticas estão muito condicionadas pela elevada dívida pública e pelas regras europeias do Tratado Orçamental. Garantir as condições de estabilidade de curto prazo – muito dependentes do cumprimento das metas orçamentais e da confiança dos investidores, que num contexto de incerteza estão mais atentos – vai ser um desafio de monta. Os conflitos que se antecipam à volta da mesa do orçamento tornam pouco verosímil uma Geringonça 2.0 nos próximos quatro anos.
A questão que se coloca é se naquele contexto os governos minoritários liderados pelo PS ou pelo PSD terão capacidade para implementar políticas com um alcance mais longo. Na Geringonça 1.0 não há uma reforma de relevo. Como desculpa para essa falta de reformismo, diz-se que se deveu aos receios de retrocesso que daí poderiam resultar. Talvez seja mesmo só uma desculpa.
Qualquer que seja a solução governativa que saia destas eleições, não estou muito optimista em relação à vontade e à capacidade de implementarem políticas que aumentem o potencial de crescimento do país. Como já referi num artigo anterior, a regulação dos mercados, onde existe uma enorme margem de melhoria com ganhos de crescimento significativos, está ausente dos programas eleitorais. O PS, que na oposição queria mudar o método de nomeação do Governador do Banco de Portugal, agora que deverá ser a sua vez de o nomear deixou cair essa intenção. Também no combate à corrupção, onde alguns esperavam um contributo do Bloco e do PCP, nada se vê. Na reorganização do Estado, que deve ter em conta os níveis Central, Regional e Local, e sem a qual não vamos conseguir conter o crescimento da despesa pública, nem ter um Estado eficiente que tenha flexibilidade para se adaptar com rapidez às novas condições de competitividade da economia, se antecipam mudanças com significado.
Uma conjuntura internacional com mais incerteza e menos crescimento vai reduzir as possibilidades da política orçamental, nomeadamente das políticas de redistribuição de rendimentos que o Governo ainda em funções privilegiou. Sem orçamento para redistribuição aumentam os riscos de instabilidade política e social. Estes riscos poderão levar o próximo governo a tentar prosseguir uma gestão de dia-a-dia, como a que foi seguida nesta legislatura. No entanto, governar como habitualmente será mais difícil num regime de baixo crescimento ou recessão. Se o próximo primeiro-ministro tiver essa ‘arte’, Portugal continuará a aproximar-se ainda mais da cauda da Europa.
O lema de Salazar não pode colher numa sociedade onde a pobreza atinge cerca de 20% das crianças e a maioria da população tem níveis de rendimento que a coloca no grupo dos mais pobres da Europa. Gosto de acreditar que essa maioria deseja mudança. Mas, mais uma vez, o ímpeto para a mudança, se vier, virá de fora.