No passado domingo, o «Público» continha dois artigos diametralmente opostos sobre a invasão da Ucrânia e as reacções dos Estados Unidos e das democracias europeias, basicamente a NATO, incluindo a pouco democrática Turquia… Entretanto, esta assumiu nas últimas semanas a organização de um processo de paz que não avançou um milímetro enquanto a Rússia persiste na sistemática destruição de habitações e de edifícios de utilidade social, como hospitais, escolas e museus. Quanto à Ucrânia, não só resiste como procura responder aos ataques do exército russo e começa a descobrir os crimes de guerra deles!

No seu artigo, Teresa de Sousa critica os países da NATO por não defenderem a Ucrânia de modo a que a guerra termine ou, pelo menos, seja imediatamente interrompida a fim de os dois países envolvidos negociarem a paz. Segundo a autora, apenas os Estados Unidos e a Inglaterra mostram empenho em cessar a guerra o mais rapidamente possível e países vizinhos como a Polónia se mobilizam activamente, enquanto a grande maioria dos membros originais da NATO, como a Alemanha (de Portugal não se fala), se limitam a esperar que a Rússia pare de atacar a Ucrânia e a compensar os enormes danos sofridos… sem falar dos territórios de que a Rússia se apoderou recentemente como a Crimeia e o Donbass! Quanto a receber os milhões de fugitivos, sobretudo crianças, mães e idosos sem possibilidade de combater, é o mínimo que podíamos fazer.

O risco da guerra nuclear com que Putin começou por ameaçar o mundo inteiro no momento em que decidiu invadir e arrasar a Ucrânia teve, até agora, o efeito mágico de paralisar os países da NATO, limitando-se os mais ousados destes a fornecer armas para as vítimas da invasão resistirem sozinhas à destruição sistemática do seu país, como tem feito heroicamente a Ucrânia sem outros apoios. Se nada mais for feito pela NATO, o que impedirá a Rússia de atacar depois a Polónia, porventura a Roménia e por aí fora? Como qualquer um, temos medo da sinistra ameaça, mas vamos ceder à chantagem de Putin? Não será que a própria Rússia terá receio de recorrer ao nuclear? O caso do Japão foi único e assim deve continuar, mas não pode ser motivo de paralisia numa situação como a actual.

Não é o que pensa o outro comentador do «Público», J. P. Teixeira Fernandes, o qual apregoa sem hesitação que «sozinhas, as democracias liberais nunca ganharam nada» nas guerras mundiais do século passado e, portanto, também desta vez essas democracias liberais – mas há outras?! – seriam incapazes de enfrentar a ameaça da Rússia e da China! Dir-se-ia que o autor se equivoca deliberadamente. Tanto assim que o historiador Pedro Aires Oliveira já pensava há uma semana que «a Rússia permanece vinculada a uma narrativa de auto-vitimação».

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

É falso, com efeito, que as duas democracias mais antigas e mais interiorizadas – os Estados Unidos e a Grã-Bretanha – tenham necessitado de mais alguém para ganhar a 1.ª Guerra Mundial, já que mal Lénin tomou o poder em Outubro de 1917, inaugurando o «comunismo» para as próximas décadas, fez a paz com a Alemanha e a Áustria no famoso acordo de Brest-Litovsk a fim de se dedicar à revolução que duraria até finais do séc. XX.

Quanto à 2.ª Guerra Mundial, ganha de novo pelas democracias norte-americana e britânica, estas desprezaram durante anos o pacto feito pela Alemanha nazi e a ditadura stalinista em Agosto de 1939, isto é, antes de a guerra começar até ao dia em que a Alemanha acabou por atacar a Rússia pois a Inglaterra e os Estados Unidos davam-lhe cada vez menos espaço. Entretanto, os Estados Unidos tiveram de lidar com o ataque surpresa do Japão contra Pearl Harbour por essa altura sem que a URSS piasse… Quanto a Stalingrado e Leningrado, a Rússia levou tempo a tomar consciência do ataque alemão e não deixou de beneficiar, indirectamente que fosse, do apoio que as democracias lhe deram.

O desgaste humano e material da 2.ª Guerra Mundial explica em boa parte a forma oportunista como a URSS se apoderou da Europa central e oriental. Quanto à «guerra fria», perdurou até à desintegração do «universo comunista». É este, contudo, a figura da Rússia que perdura na cabeça dos antigos membros da polícia secreta russa de que fizeram parte Putin e a sua «clique» de agentes do KGB, hoje transformados nos actuais «siloviki», bem mais políticos do que os «oligarcas», conforme se podia ler há mais de 10 anos no Journal of Democracy (2009). É pois erróneo, para não dizer pior, que as democracias liberais – como se houvesse outras, aliás! – «nunca ganharam nada». Nem sempre terão vencido mas venceram as duas guerras mundiais e só elas têm capacidade para pôr termo ao fantasma do comunismo.