Uma vantagem competitiva que nós, portugueses, não temos? Saber comunicar. Teremos outras, certamente, mas esta é gritante e altamente limitante. Não nos faltam cabeças científicas, crânios inovadores, extraordinários pensadores e fabulosos fazedores em quase todas as áreas do conhecimento, mas faltam-nos comunicadores.

Em Portugal não se aprende a comunicar desde cedo. Ao contrário das escolas americana, alemã, inglesa, francesa e espanhola, para dar o exemplo das escolas internacionais onde as crianças começam aos 4 anos a treinar o improviso, a expor ideias, a debater opostos e a fazer apresentações, em Portugal essa aprendizagem chega quase sempre muito mais tarde.

A esmagadora maioria dos portugueses começa a treinar a comunicação no ensino secundário, ou até universitário, e esta realidade revela uma desvantagem competitiva gritante. António Câmara, cientista informático, Prémio Pessoa em 2006, fundador da Ydreams e professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, disse ontem publicamente que constata facilmente que “muitos cientistas portugueses têm uma superioridade avassaladora” quando comparados com os seus pares de países ditos ricos e avançados, mas “não sabem comunicar”.

António Câmara foi um dos oradores convidados pela Nova Skills Association, um dos clubes de alunos mais dinâmicos da NovaSBE, e não hesitou em classificar esta incapacidade nacional como uma pequena-grande tragédia. Dominamos as línguas, não temos problemas em falar e compreender os idiomas dos outros, mas somos incapazes de comunicar de forma incisiva e sucinta.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Países como a Coreia do Sul, por exemplo, já estão na vanguarda da comunicação oral e visual, enquanto os portugueses continuam a ter dificuldades na comunicação. É preciso aprender a entusiasmar os outros e é urgente mudar o nosso estilo de comunicação para não continuarmos a ser tão penalizados” disse António Câmara no debate promovido pela Nova Skills Association que, pela primeira vez, juntou especialistas e alunos das diversas faculdades da Nova, do Direito à Medicina, passando pelas Ciências e Tecnologia, envolvendo também a Economia e a Gestão.

Conselhos de um especialista em comunicação e tecnologias? António Câmara dá pistas concretas: “é preciso aprendermos a contar histórias”. Que histórias? Não se trata de ficção nem temos que inventar histórias para contar a investidores e cientistas. “As minhas histórias assentam em sonhos”, esclarece o especialista em ciências da informação que passa a vida a levar os outros a novas fronteiras. “Há muitas referências incontornáveis em matéria de storytelling. De Steve Jobs a Elon Musk, todos provam que sempre que queremos evoluir, mas também persuadir, cativar e conquistar, temos que começar pelos sonhos e não pelos factos. Eu próprio aprendi a comunicar e tive que mudar o meu estilo. Passei a ser mais contido e a usar menos palavras, mas mais histórias. Hoje em dia trabalhamos articulados com o Ridley Scott e a sua equipa, que são os melhores contadores de histórias da atualidade”.

António Câmara falava para uma plateia de especialistas e alunos de diversas faculdades, mas não estava só. Ao seu lado estavam outros dois especialistas de referência, um na área da Medicina e outro de Direito. Diogo Pais, professor doutor de Anatomia, secretário geral da International Federation of Associations of Anatomists e professor de Ética, falou da urgência em aprender a comunicar, e Vítor Pereira das Neves, jurista, professor e sócio de uma das maiores firmas de advogados nacionais reforçou esta mesma necessidade.

“A capacidade de comunicar com eficácia determina o sucesso e o insucesso dos advogados” disse Vitor Pereira das Neves. “Nós trabalhamos em contextos adversos, numa lógica de conflito, disputamos o que outros também disputam, e só conseguimos bons resultados se tivermos capacidade de comunicar. Se formos dialogantes e construtivos nesta mesma comunicação”. E referiu que a comunicação é absolutamente transversal, pois não se trata apenas da relação advogado/cliente, mas também entre pares e nas hierarquias.

Diogo Pais, médico para quem uma comunicação efetiva tem que ser também afetiva e de proximidade com os doentes e as suas famílias, levou a questão da comunicação e das soft skills mais longe. Disse que muito mais do que human skills(a nova e mais atualizada terminologia), ou competências humanas, devem ser competências humanizantes. E enunciou a capacidade de ouvir, compreender, falar, validar sintomas e sentimentos, atuar, resgatar a confiança, restaurar a esperança, tratar, acompanhar e, sempre que possível, curar.

Vitor Pereira das Neves fez questão de lembrar que vivemos na era da comunicação e estamos na 3ª fase desta mesma era. “Na primeira fase todos nos interrogávamos sobre a importância das soft skills e tínhamos dúvidas sobre se eram realmente decisivas; na 2ª fase assumimos que havia os que tinham jeito e os que não tinham jeito para comunicar, e pensámos que a comunicação era um dom dos chamados ‘natural born communicators’, mas felizmente chegámos à 3ª fase em que todos já percebemos que a comunicação se treina!”

“Sim, sim, tudo se aprende” concordou Diogo Pais. “Digo muitas vezes aos jovens estudantes de Medicina e aos novos médicos que não desistam e nunca ‘pendurem a bata’ por incapacidade de comunicação. Tudo se aprende e o treino de comunicação faz-se através de muitas leituras, da capacidade de ouvir e também de falar. Hoje em dia há muitos cursos de comunicação dados por excelentes profissionais e vale a pena investir neste treino, nesta aprendizagem, pois só através de uma boa comunicação conseguiremos criar relações de proximidade com os doentes, falar claro com eles e criar uma boa adesão terapêutica”.

Os três oradores convidados foram muito complementares em matéria de comunicação e todos foram unânimes em considerar que temos que deixar de estar em desvantagem competitiva.