«Proudhon tinha razão escrevendo: Deus é o mal. Laplace tanto ou mais tinha razão ainda, escrevendo também: a hipótese de Deus é inútil. Mas, acima de todos, a apóstrofe exacta, indispensável, urgente de realizar, vibrou-a Bakunine: “Deus! Mas é preciso suprimi-lo.”»

O autor destas palavras foi um dos chamados “vultos republicanos”, de seu nome Fernão Botto Machado. Quem folheie o Almanaque Republicano e dê com ele, de jaquetão e bigodes retorcidos, mais depressa dirá estar perante um galã da Vizinha do Lado, de André Brun, que de um ferrabrás do ateísmo. Mas engana-se.

Nascido em 1865, autodidacta (não fez exame da instrução primária), Botto Machado entrou para a Maçonaria em 1893, na Loja “Cavalheiros da Verdade” e circulou depois por outras Lojas com nomes igualmente ambiciosos em termos programáticos, como a “Renascença” e a “Razão Triunfante”. De resto, grande parte dos dirigentes republicanos de há 90 anos, quando proclamaram a Primeira República, pertencia à Maçonaria. Eram maçons os dois líderes desaparecidos nas vésperas da vitória, Cândido dos Reis e Miguel Bombarda; era maçon Machado Santos, o herói da Rotunda; eram maçons Bernardino Machado, Sebastião de Magalhães Lima, Afonso Costa e António José de Almeida. E todos tinham expressivos nomes de guerra – Afonso Costa, por exemplo, era “Platão”.

Para a maçonaria francesa do Grande Oriente, a versão dominante e triunfante em Portugal, a Igreja era o inimigo a abater, devendo os maçons, amantes da Razão, da Ciência e do Progresso, seguir o conselho do irmão Voltaire, iniciado na loja das Nove Irmãs de Paris, e “Écrasez l’Infâme”. Além das questões teológicas de fundo, não seria, pois, de estranhar que sucessivos papas e encíclicas condenassem a Maçonaria e proibissem aos católicos qualquer filiação maçónica.

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A primeira vez que os maçons tiveram verdadeiro poder temporal foi com a Revolução Francesa. Então, milhares de sacerdotes e religiosos foram mortos. E como os camponeses vendeanos, católicos, monárquicos e fiéis à pequena nobreza local, estragavam o cenário revolucionário (saindo da categoria de “sábio povo em armas pela Liberdade, Igualdade e Fraternidade” e entrando directamente na de “deplorável povo ignaro”), a “Razão, a Ciência e o Progresso” ditaram o genocídio.

Em França, este anticlericalismo activo marcou, depois, a modalidade revolucionária da Comuna de Paris, que fuzilou vinte e quatro eclesiásticos, entre eles o Arcebispo de Paris, Monsenhor Darboy. E políticos da época, como Jules Ferry e Léon Gambetta, não deixaram de perseguir as ordens religiosas, de prender padres e, sobretudo, de lançar as mais absurdas calúnias sobre a Igreja.

Em Portugal, em 1910, os activistas mais zelosos entre os correligionários de Botto Machado, não podendo matar Deus – invisível mesmo ao olho vivo da Loja –, liquidaram dois padres Lazaristas, o Padre Bernardino Barros Gomes, ilustre cientista botânico, e o Padre Alfredo Fragues, confessor da Rainha, morto à coronhada e a tiro.

Seguiram-se a expulsão dos Jesuítas (após científicas medições cranianas indiciadoras de anomalias anatómicas que sinalizavam inequívocas tendências criminais) e uma série de medidas laicizantes, como o fim dos feriados religiosos. O Natal, mais difícil de abolir, foi esvaziado e reformulado como “Festa da Família Portuguesa”.

E como era também necessário higienizar a História, o Primeiro de Janeiro passou a Dia da Fraternidade Universal e o 31 de Janeiro a Dia dos Precursores e Mártires da República. O Primeiro de Dezembro escapou como feriado, mas deixou de ser Dia da Restauração para passar a ser, mais correctamente, o Dia da Autonomia da Pátria Portuguesa. Deu-se também o habitual saneamento da toponímia e multiplicaram-se os nomes de ruas e praças 5 de Outubro e República, como, décadas depois, as 25 de Abril.

As esquerdas (liberais maçonizantes, anarco-progressistas e comunistas) promoveram, em todas as revoluções do século XX, uma encarniçada perseguição à Igreja e aos cristãos, prendendo, torturando e matando padres, religiosos e leigos – na Revolução Bolchevique, na Revolução Mexicana, nos regimes comunistas implantados na Europa Oriental, na China, no Vietname e em Espanha, na Guerra Civil, onde os frente-populistas mataram mais de sete mil bispos, padres, religiosos e freiras, e milhares de católicos, apenas por o serem. Mais que Diocleciano, que não fora meigo com os seguidores de Cristo. Tal como os primeiros séculos da Era Cristã até Constantino, o século XX foi também um século de mártires.

Mas porque se tornaram impossíveis as revoluções bolcheviques – com o ataque armado e a ocupação das centrais telefónicas, das estações de comboios, dos Palácios de Inverno –, e porque Lenine e a sua teoria da revolução foram sendo, no ocidente euroamericano, substituídos por Gramsci e pelas revoluções culturais, a guerra à Igreja, às Igrejas cristãs e a toda a transcendência monoteísta (cristã, judaica ou islâmica) foi mudando de forma.

Hoje já não se trata de expulsar ordens religiosas, de matar padres, de queimar igrejas, como fizeram os democráticos de Afonso Costa em 1910 ou os frente-populistas madrilenos na Primavera de 1936. Trata-se de descristianizar a sociedade mansamente, em suaves prestações, de modo politicamente correcto, indolor, através de leis passadas com ar inocente e distraído, como grandes conquistas da liberdade e do progresso ou já nem isso.

O que se está a fazer entre nós é uma progressiva e estratégica descaracterização da sociedade para cumprir agendas radicais internacionais, através de leis pretensamente libertadoras, passadas “à candonga”, que vêm, não só descristianizando mas desnaturalizando o país: leis inspiradas nas mais delirantes quimeras que oferecem a possibilidade (financiada pelo Estado) de mudar o corpo e moldá-lo, com hormonas, mutilações e enxertos, ao género apetecido; leis que transformam o casamento, mesmo o casamento civil, num contrato entre dois seres, quaisquer que sejam, agora dois homens ou duas mulheres, qualquer dia, quem sabe que mais; leis contrárias à geração de vida numa sociedade que já está há muito com taxas negativas de reprodução; leis que são negociadas e passadas sem qualquer respeito pelo debate público, como a da Eutanásia, aprovada ignorando o parecer negativo da Ordem dos Médicos, da Ordem dos Enfermeiros, da Ordem dos Advogados, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, da Associação Portuguesa dos Cuidados Paliativos e um abaixo-assinado de cerca de cem mil cidadãos.

Leis que uma esquerda dita moderada, que aceita os pressupostos do capitalismo europeu, vai levianamente negociando por conveniência momentânea com os esquerdistas do marxismo cultural, perante a sonolência geral e acomodada dos que assistem tranquila e resignadamente a estas mudanças – talvez sem se aperceberem que são estas as mudanças que verdadeiramente importam.

Com a Covid 19 e as necessidades de confinamento, quem decide aproveitou para dar mais um passo nas discriminações contra os cristãos. Controles para a Páscoa, mas não para o 25 de Abril; para o 13 de Maio em Fátima, mas não para o 1º de Maio na Alameda; 27 mil pessoas com luz verde para acorrerem à Fórmula 1 em Portimão, mas proibição de deslocações para que os cristãos – e os não cristãos – possam visitar e honrar os seus mortos nos cemitérios no Dia de Fiéis Defuntos. Muitos não puderam sequer acompanhar os seus familiares e amigos mortos recentemente e os cemitérios são ao ar livre, com acessos que poderiam ser controlados com facilidade para evitar aglomerações, mas pouco importa.

Como todos os regimes que, no passado, quiseram regular e imprimir a sua marca nas coisas da Vida e da Morte, ainda que contra a liberdade, o sentimento e as convicções do “povo ignaro”, o poder político resolveu agora esvaziar uma celebração cristã, o Dia dos Fiéis Defuntos, e impedir uma prática enraizada, dando-nos magnanimamente em troca uma bandeira a meia-haste e um asséptico e socialmente distante “Dia de Luto Nacional por Todos os Falecidos, em Especial as Vítimas da Pandemia da Doença Covid-19”.

Mas o povo e a Igreja, por mais adormecidos que aparentemente estejam, têm acabado sempre por acordar. E por resistir.