O Dr. Costa engrossou a voz para gáudio de acólitos e outros ingénuos. Em reacção às reservas holandesas de abrir mais os cofres e o futuro à cooperação europeia o primeiro-ministro português ofereceu à Europa um verdadeiro tratado. Invocou a fatalidade, recomendou realismo, apelou ao esforço comum e repudiou populismos eleitorais. Nada a opor, não fosse o pequeno detalhe disto ter sido dito pelo Dr. Costa. E isto tudo sem se rir. Uma espécie de Hugh Hefner a exortar sobre as virtudes da castidade.

Há três coisas que depois desta actuação ocorre perguntar ao Dr. Costa. Isto se o espírito de união nacional vigente não as decretar heresia e não me condenar antes à fogueira.

A primeira pergunta é a troco de quê? É inexorável, sob risco de irremediável colapso, relançar a economia europeia e, claro, a dos Estados membros. Mas a troco de que é que isso se faz com sede na UE? Está o Dr. Costa disponível para abdicar de mecanismos próprios de fiscalidade em favor de uma política fiscal única? Ou de abdicar de iniciativas económicas locais (nacionais) em favor de um centralismo económico emanado de um qualquer Plano de Fomento Europeu determinado em Bruxelas? Ou de abdicar dos orçamentos nacionais aprovados nos parlamentos nacionais em favor de orçamentos comunitários? Esgrimir alucinadamente contra gigantes não é coisa inédita na península, mas esbarrar contra moinhos de ventos é capaz de magoar. E o que não falta na Holanda são moinhos. Em síntese, importa perceber se o Dr. Costa está a propor a mutualização dos bónus (de quem mais tem) e dos ónus (de quem mais precisa), em prejuízo das autonomias nacionais. É mais federalismo que à guisa da salvação presente se quer agora propor como caminho futuro? Nestas coisas de grande proveito convém perguntar primeiro o preço.

Sobre isto, no entanto, devo dizer, sem isenção de cinismo, que com a apetência do povo português para eleger o partido do Dr. Costa e com as consequências que disso tem tirado, talvez os Holandeses fizessem por nós mais e melhor que aquilo que temos conseguido fazer em causa própria.

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E nem a propósito, a segunda pergunta é a partir de que posição Portugal parte para esta bravata? A Holanda registou em 2018 uma dívida pública de 52,4% do PIB, Portugal de 122,2%. A Holanda viu o seu sistema de saúde – onde as parcerias público privadas e a generalização dos seguros de saúde são aspectos relevantes – classificado em 2017 em primeiro lugar no Euro Health Consumer Index, e os seus gastos com saúde em 2016 foram de 10,5% do PIB, já no Portugal das vacas gordas e voadoras – juro que são palavras do Dr. Costa –, o seu governo juntamente com os parceiros de extrema-esquerda andou ocupado em ideologizar o debate em torno da Saúde e em diabolizar os prestadores privados, e em 2016 a despesa com saúde foi de 9%; valor mais baixo que no tempo do governo PSD/CDS. Talvez ainda a este propósito não seja irrelevante recordar que num governo do qual o Dr. Costa foi n.º 2, a dívida pública portuguesa passou de 68,4% do PIB (2007) para 111,4% (2011), enquanto que a Holanda, no mesmo período, foi dos 43% para os 61,7%.

Negociar com outros Estados usando este tom, a partir deste lugar e sem clarificar absolutamente onde se pretende chegar é, para dizer o mínimo, muito imprudente. A menos que se esteja a fazer um favor a alguém, de quem se espera a devida recompensa, o que nos leva à terceira pergunta.

A terceira pergunta é Quo vadis, Dr. Costa? Neste delírio grandiloquente sugeriu, em jeito de ameaça, um Nederlexit forçado, que é coisa que numa União de Nações fica mal aos fortes e ridículo aos pequenos. Depois, nesta mesma linha, lamentou que sejam as capitais que têm estado a limitar a capacidade de resposta da União Europeia, criticando o Conselho Europeu e piscando o olho a Macron. [Como não lembrar Eça quando afirmava que “Portugal é um país traduzido do francês em calão”?] E por fim jurou a pés juntos repudiar a austeridade, que atendendo à recessão que temos por certa, ou é milagre ou ilusionismo. E como o Dr. Costa não é santo, é seguramente ilusionista. Arregimentando internamente as hostes contra adversários externos, desviando o olhar das suas fragilidades governativas, e com uma parte significativa da “oposição” a transformar-se voluntariamente em “cooperação” – expondo, já agora, neste consensozinho nacional muito da fragilidade da nossa democracia – consegue uma estrondosa taxa de aprovação ao seu governo. Mas saberá/quererá (riscar o que quiser) o Dr. Costa governar em recessão? Ou estará a criar condições para se pôr ao fresco?

Dito isto, faço votos que esta quixotesca aventura do Dr. Costa seja venturosa. Se é para mergulhar no romance, ao menos que o final seja feliz.