Não quero ser injusto com Rui Rio. Vou, por isso, tentar ver as coisas como imagino que ele as veja. À sua frente, tem um Estado que o PS colonizou e cujo poder sobre a vida dos portugueses todos os dias aumenta a pretexto de tudo, até do pânico epidemiológico ou do wokismo importado dos EUA. A factura é notória: o custo fiscal e regulatório do socialismo ameaça fazer de Portugal o país mais pobre da UE. Mas para além da suspeita de que as pessoas estejam fartas, como se descobriu em Lisboa, nada é óbvio. O PCP e o BE, ao submeterem-se à geringonça, esvaziaram o que era hábito chamar “agitação social”. A presidência da república reduziu as suas angústias à existência de um orçamento. Para evitar rupturas financeiras, como as de 2002 e 2011, existe o BCE. E talvez a mobilização eleitoral dos dependentes do Estado, perante a abstenção da maioria, continue a ser suficiente para desarmar as urnas. Que fazer, então?
Uma parte da oposição, como o Chega e a IL, fez-se meramente tribunícia, entre indignações e quimeras. Rui Rio, que acredito seja um reformista, fez contas. Só vê um caminho: aproximar-se do poder através de quem tem o poder, o PS, como parceiro noutra geringonça ou herdeiro de parte do seu eleitorado. A versão de “centro-esquerda” do PSD, ou a ênfase em reformas políticas e administrativas (regiões, etc.), que imagina interessarem à oligarquia socialista, adequam-se a essa estratégia.
É preciso dizer que, em princípio, isto faz sentido. Aliás, já não é a primeira vez que o PSD tenta esta pega de cernelha. Entre 1976 e 1978, as reformas também eram urgentes, mas o sistema também parecia bloqueado. Era quando o Conselho da Revolução zelava pelo “rumo ao socialismo”. PSD e CDS acentuaram então o “centrismo” que já traziam do PREC, de modo a atrair o PS para uma “convergência democrática”. O CDS ainda passou pelo governo. Em 1979, porém, tiveram de concluir que não havia alternativa à “bipolarização” e fizeram a Aliança Democrática. As coisas são agora diferentes?
São, mas para pior no que respeita a uma estratégia de convergência. Quem diz que as reformas são urgentes, e depois se dispõe a governar com um partido que as recusa, terá sempre um problema de credibilidade e de mobilização. Hoje, os riscos são maiores. Em 1976-1978, o PSD e o CDS nada tinham à sua direita. Agora, têm o Chega e a IL prontos a ocupar o terreno que eles abandonarem. Ao aproximar-se do PS, Rio arrisca-se a dispersar o voto à direita e a manter o PSD pequeno, sem a certeza de que o PS, hoje mais à esquerda, o compense com algum tipo de acesso ao poder, e com a certeza de que nunca fará reformas. Há por isso dúvidas sobre a opção de Rio. Daí os repetidos desafios à sua liderança. Ganhou, mas nem sequer com metade do PSD, se contarmos os militantes em situação regular (eram 46 000, e só 18 600 votaram em Rio).
Sim, admito que nalguns seja má vontade. Mas na maior parte, talvez seja mesmo dúvida. Todas as estratégias são arriscadas. Mas o risco não é o mesmo. Com a bipolarização, é não ganhar muito; com a convergência, é perder imenso, a começar pela capacidade do PSD de liderar uma alternativa ao PS. Sendo assim, porque não mudar? Rui Rio nem precisaria de fazer muito. Bastar-lhe-ia restaurar a prioridade das reformas que têm a ver com a prosperidade do país, e tentar uma coligação com o CDS, onde Francisco Rodrigues dos Santos corrigiu o delírio anti-PSD dos seus antecessores. Em suma, tratar-se-ia de fazer com que a questão da eleição de Janeiro fosse a saída do PS do governo, e não a de saber se é o PCP ou o PSD a viabilizar o próximo orçamento socialista. Talvez isto desse a mais gente razões para votar, e para votar em Rui Rio.