O conflito entre a Rússia e a Ucrânia tem sido comentado nas perspetivas militar, política e geoestratégica, mas envolve também uma dimensão psicossocial. É o confronto entre dois perfis de liderança e entre modelos de sociedade opostos. A relação de Putin e Zelensky com os seus públicos-alvo mostra-se particularmente eficaz, e a forma como uma e outra evoluírem vai ser decisiva no desenrolar do conflito.
Zelensky é um líder improvável. Depois de uma carreira artística em que desempenhou o papel de presidente da Ucrânia, na série televisiva Servo do Povo, passou da ficção à realidade. É hoje um herói carismático, aplaudido nos parlamentos e capaz de mobilizar a cooperação internacional a favor da sua causa. O ajustamento do seu perfil de liderança ao público a que se dirige é central para a compreensão deste fenómeno.
O presidente ucraniano assume corajosamente a defesa de uma causa coletiva em nome dos valores da autodeterminação, da liberdade e da vida, face a um agressor mais poderoso. Revela uma elevada autoconfiança no desempenho do seu papel, usando um estilo direto e assertivo com os interlocutores políticos internacionais, ao mesmo tempo que mostra humildade genuína ao reconhecer as dificuldades e limitações que enfrenta.
A linguagem comunicacional que utiliza combina factos e emoções para conseguir um efeito mobilizador das audiências. Descreve as situações movendo-se em cenários de destruição e fala para as câmaras com uma linguagem simples, espontânea e um olhar direto, reforçando o sentido autêntico e emocional da mensagem. Zelensky tem uma comunicação emocionalmente inteligente, revelando os seus sentimentos e mostrando compreensão empática pelo sofrimento dos outros. Mas o aspecto mais surpreendente é a forma como domina a técnica da comunicação em tempo de crise. Informa pessoalmente sobre os acontecimentos, partilha os desafios que está a enfrentar e o seu posicionamento, e atualiza a informação à medida que a situação evolui. Este misto de determinação, proximidade e vulnerabilidade, mantém a ligação aos destinatários e reforça os níveis de motivação e confiança.
Enquanto Zelensky mobiliza pela empatia e apela ao futuro, Putin é um líder ideológico. Centra-se no passado e na missão de “corrigir” a história: restaurar a grandeza imperial da Rússia, perdida com o colapso da URSS que considerou “a maior tragédia geopolítica do séc. XX“. Este regresso ao passado imperial e aos valores únicos da civilização russa só pode apoiar-se numa liderança autocrática, e em emoções negativas acerca dos outros e do que será o futuro se não se voltar ao “paraíso perdido”. Os apoiantes de Putin, dentro e fora da Rússia, revêem-se em líderes radicais e agressivos, controladores e inflexíveis, que utilizam a ameaça e a punição.
Vários estudos psicológicos da liderança de Putin reconhecem-lhe traços acentuados de narcisismo, instabilidade emocional, tendência para a manipulação e ocultação das intenções, baixa empatia, agressividade e tendências antissociais. Estes traços podem explicar a insensibilidade à destruição e às vítimas da guerra e o facto de usar a dissimulação dos objetivos políticos, atitudes contraditórias e decisões imprevisíveis, como estratégia de poder.
Os perfis dos dois líderes correspondem a estratégias diferentes e, sobretudo, refletem valores e modelos civilizacionais distintos. O perfil de Putin responde à preferência por um mundo fechado sobre si, convicto da sua superioridade, apoiado na autoridade, na segurança e na disciplina. O perfil de Zelensky ajusta-se aos valores da justiça, da liberdade e da solidariedade que caracterizam a sociedade ocidental. Putin representa uma visão dicotómica do mundo, apoiada no “poder duro”; Zelensky, uma visão aberta e integradora, fundada no “poder suave”. O primeiro tem medo da liberdade; o segundo não quer perdê-la.
Enquanto os dois perfis de liderança mantiverem o poder mobilizador nos que defendem estes modelos de sociedade, Putin continuará a ter o apoio de muitos dos seus concidadãos, dos movimentos populistas ocidentais, do governo chinês e dos países do terceiro mundo que ainda estão amarrados aos compromissos da descolonização. Zelensky continuará a suscitar o apoio material e militar do mundo ocidental, e a ter a mão solidária dos povos livres.
O apoio popular a Putin pode sofrer com o desgaste da guerra e das sanções que lhe foram impostas, e o apoio a Zelensky pode enfraquecer com os efeitos da crise económica no mundo ocidental. Mas enquanto houver lideranças que representem os dois modelos civilizacionais e pessoas que os apoiem, o confronto vai continuar, na Ucrânia ou noutra parte qualquer.