Como está calor poderá ser tempo de todos os intervenientes políticos aproveitarem para tomar um duche frio. Far-lhes-á bem. Precisam de esfriar a cabeça. Será bom para a saúde deles e a nossa.

Durante a campanha eleitoral para as eleições de março de 2024, a coligação PSD/CDS foi poupadinha nas promessas para a saúde. Decidiu arriscar pouco e remeteu as suas propostas para um Plano de Emergência que iria ser elaborado até 60 dias depois da tomada de posse do Governo. Foi pouco, o PSD tinha já mais ideias e melhores documentos divulgados e ainda poderia ter muito mais se tivesse feito o trabalho de casa durante os anos em que esteve na oposição. Oito anos foi muito tempo para pensar. O programa eleitoral para a Saúde e, consequentemente, o do Governo, foi remetido para o Plano de Emergência que ainda estava por elaborar. Logo, mesmo que agora queiram acreditar no contrário, toda a fatura política de saúde da AD foi colocada no Plano. Assim, a expetativa criada pelo Plano de Emergência e, posteriormente, de Transformação foi demasiada. É sabido que em face de muita expetativa, quando a perceção é fraca, a satisfação é péssima.

Na minha muito modesta opinião, o enfoque no Plano foi um erro político em vários momentos. No anúncio (na campanha eleitoral insistiram num plano desconhecido), na conceção tardia (60 dias foi uma eternidade e mostrou que o Governo não sabia ao que vinha, sendo que nem os 60 dias foram estritamente cumpridos), na forma de elaboração (com uma consultora que foi incompetente e um pequeno grupo de gente boa e esforçada) e na divulgação (reforçando as medidas de resolução a três meses, sem acautelarem as incertezas). Acresce que ao Plano falta um foco coerente, um conjunto central, conteúdos com formulação clara e uma estratégia de avaliação. O Plano não é um documento estratégico intrinsecamente coerente e abrangente, com soluções elencadas para a maioria dos problemas. O próprio título, ao incluir Emergência, remete para ações imediatas, para agora, e é isso que as pessoas, a oposição e a comunicação social ouviram e exigem. Só que o agora é demasiado cedo. Mas o Plano tem virtudes que podem ser exploradas e pode ser melhorado. Voltarei ao Plano noutro texto.

Mas houve mais erros. O anúncio da monitorização pública das metas foi um disparate, quando a falta de capacidade de cumprir com tudo no imediato era evidente e, pior, sendo também evidente que a expetativa jornalística seria de grande rapidez na execução das medidas e atingimento dos objetivos. Logo, a notícia foi “só duas medidas cumpridas” e não “já cumpriram com duas das medidas” apesar do curtíssimo exercício de governação.

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Chegados onde estamos, com dificuldades que, naturalmente não se poderiam mitigar em três meses, muito menos eliminar, andam todos com os nervos em franja e os dislates sucedem-se.

É tudo “muitíssimo difícil”, o momento é “muito delicado”, a oposição estará a ser “um bocado exigente” com o cumprimento do Plano. Estavam à espera de quê? Estiveram oito anos a denunciar as insuficiências no SNS, como lhes competia enquanto oposição, e parece que só as descobriram agora que têm de governar? O Governo não deve entrar numa versão de “a culpa foi do Costa”, com “o Costa” onde já esteve “o Passos.” Para as pessoas a culpa é irrelevante. Querem que lhes resolvam os problemas e quem governa tem de fazer. Não chega prometer.

“Eliminámos listas de espera”. Não é verdade. Há listas de espera enormes e de todo o tipo. Mas há menos gente a aguardar cirurgia para tratamento de cancro e isso é muito bom. Contudo, o Oncostop 24 não é stop coisa nenhuma. Infelizmente. A incidência de cancros não para de aumentar. Para lá de estarem fixados na cirurgia daqueles que esperavam intervenção a 30 de abril de 2024, nunca será demais salientar que o êxito do programa deve medir-se na redução, nem que seja em 1000 doentes, no número de pessoas que em cada momento esperam por cirurgia para lá do tempo aceitável. Reduzir esse número em três meses foi obra e merece elogio. Ter operado os que estavam em lista a 30 de abril, foi um princípio. Mas encurtar a espera não é eliminar a lista dos que esperam.

Ainda falta muita coisa. A Senhora Ministra tem consciência disso. Olhemos para o cancro. Quem foi operado? Com que cancros? Onde? Por quem? Com que resultados? Falta o trabalho de redução do intervalo de tempo entre suspeição e confirmação que tem de ser fixado entre 15 e 30 dias. E o intervalo entre confirmação do diagnóstico de cancro e início do tratamento, não apenas cirúrgico, terá de ser de 7 a 30 dias consoante a doença. E, não se admirem, nem todos os cancros têm de ser tratados quando diagnosticados. Há que assegurar o seguimento dos doentes próximo de onde moram e por Médicos de Medicina Geral e Familiar. Há um mundo por fazer em padronização e controlo de qualidade. O registo oncológico nacional (RON) tem de trabalhar sem a idiossincrasia do Norte querer ser diferente. Há que melhorar as medidas de apoio aos sobreviventes de cancro. Há muito que ainda não foi feito.

A situação este ano é muito melhor do que era no ano passado”. Será? Com que provas? Ou, em alternativa, “estamos a viver… um agravar da situação face ao ano passado”. A política está cheia de gente sem memória. E sem responsabilidades. Seria bom comparar indicadores antes de proferir opiniões. Têm razão os que dizem “não precisar de lições do PSD”. Para erros, más escolhas e inações, basta olharem para si próprios. E, se a situação nos partos está mal, até para que se testasse a real capacidade de resposta do setor privado, eu teria decidido que nos concelhos onde há maternidades encerradas se pudesse recorrer livremente ao privado que depois o Estado pagaria a conta ao preço mais baixo pago por uma companhia de seguros.

“As grávidas estão mais seguras do que há um ano atrás”. Quem o disse, como se costuma dizer, perdeu uma excelente ocasião para estar calado. Mas na Saúde, mais do quem em outras áreas da segurança, gerir o silêncio não é para todos.

“A Ministra tem de se demitir”. Porquê? Conviria explicitar e apresentar alternativas. Em todo o caso, tratar mal aquela com quem se precisa de negociar não será grande estratégia.

“O plano do Governo para a saúde falhou”. Que plano? Em parte, ou no todo? Como pode já ter falhado se a sua aplicação integral está prevista para o final de 2025?

“A Ministra revela alguma dificuldade de gestão política”. Talvez? Poderá ser verdade, depois de saber o que querem dizer com isso.

“De todas as cirurgias oncológicas que foram realizadas nos últimos meses, 99% realizaram-se no Serviço Nacional de Saúde”. Não sabemos. Apenas se pode afirmar este número sobre as que foram efetuadas ao abrigo do programa de incentivos, as que estavam atrasadas. O Governo exibe o facto de não recorrer à ajuda do setor privado como sendo um mérito. Não é. Em que ponto estão os acordos com os outros setores, social e privado, para a solução de estrangulamentos? Esta medida não estava no Plano?

“O problema está em terem demitido o prof. Fernando Araújo”. Demitiu-se, não foi demitido. Fez bem em demitir-se. Estava politicamente conotado por culpa própria. Ficando, todas as responsabilidades seriam dele porque, afinal, era incompetente ou estava a sabotar. Correndo bem, os méritos estariam nas condições que agora lhe estavam a dar e o PS não lhe tinha dado. Se tivesse ficado nada lhe iria correr bem. Ao sair, guardou capital pessoal e político. Só fez mal por não ter demonstrado imediatamente a intenção de sair. Não deveria ter dito que estava disposto a continuar. O tempo da “sua” Direção Executiva terminou em 10 de março.

Só depois de sabermos exatamente quais são as medidas que o Governo pretende como alternativas ao plano de emergência é que é possível fazer considerações e comentários sobre isso”, sendo o “isso” um pacto entre PS e PSD para a Saúde. Ou seja, no PS não perceberam do que se estava a falar. O “Pacto” não será uma negociata parlamentar de medidas avulsas. Não é disso que precisamos. Não é só de propostas do Governo que a oposição rejeitará ou aprovará. O que nos faz falta é um relatório parlamentar, semelhante ao que já foi feito no Canadá e em outros Países, compilando o muito trabalho já existente, com propostas para a sustentabilidade do SNS que se possam transformar num quadro legislativo coerente e consequente.

E, como não poderia faltar, “2025 vai correr bem”, “no próximo ano prometo que vai ser melhor do que este ano”. Esperemos que sim. Não sabemos. Nem sabemos em que é que vai ser melhor. Menos doentes? Menor mortalidade por doenças passíveis de prevenção? Ninguém pode saber. É sempre avisado não prometer o que não se sabe que se pode cumprir.

Seguem-se alguns Post Scriptum. Não cabiam no texto principal, mas enquadram-se na atualidade.

PS 1 – O Governo investirá 65 milhões de euros no centro de atendimento clínico no Porto? Se for verdade parece-me pouco sensato. Com tanta carência estrutural, até na oncologia, vão desperdiçar esta montanha de dinheiro numa coisa que é da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Numa medida de retorno muito incerto e num concelho em que não será necessária? E a oposição, não pergunta nada?

PS 2 – Só extinguiram as ARS agora. Falta TODA a reforma. Ainda não alteraram o quadro legal das DGS, ACSS e DE. Para quando?

PS 3 – Por favor não repitam a visita a Santa Maria de há uns dias. Foram todos ao espetáculo. Propaganda a destempo. Todos muito unidos e contentes. O que esteve melhor foi o Senhor Ministro das Finanças que entrou mudo e saiu calado. A necessidade de ir mostrar apoio presencial à senhora Ministra só serviu para demonstrar que a professora andava a precisar de apoio. Não repitam a maldade.

PS 4 – Agradecer aos profissionais lembra-nos o Costa que nos deu a final da Liga dos Campeões. Assumam que vão rever salários base em 2025 (se também reduzirem as taxas de IRS em todos os escalões será ainda melhor) e não se fixem apenas nos pagamentos extra por produção adicional. Não me obriguem a duchada gelada no próximo Inverno. Um pedido de friorento.

PS 5 – O problema da falta de médicos no SNS não se resolve, no imediato, com mais Faculdades de Medicina. O que não obsta a que eu seja favorável a que todos que o queiram possam ser médicos. Daí, havendo garantia de qualidade na formação, nada contra a inexistência de limite no número de escolas privadas. Mas públicas, já exigem outras considerações. Exigem investimentos em estruturas e docentes, o que não será fácil num contexto de falta de médicos. Mas há coisas que podem ser feitas já. Por exemplo, antes de montar mais escolas médicas, que tal transformar o curso de Medicina da Universidade do Algarve num currículo inteiro de 6 anos, em vez do speed dial em vigor? E, estou convencido, ainda pode ser possível formar mais médicos com as Faculdades públicas e privadas já existentes.

PS 6 – Sobre a saga do INEM. A decisão do Tribunal de Contas, validando uma decisão do anterior presidente para a contratação de serviços de helicópteros, não iliba ninguém, nem acusa ninguém. Mas mostra que o dito Tribunal pode ser flexível quando é preciso. Uma boa notícia. Dispensa duche frio.