Qualquer apreciação de governantes tem de começar por agradecimentos. Aos que fizeram o percurso da governação com o Dr. António Costa e aos que agora começam o ciclo com o Dr. Luís Montenegro.

Os antigos ministros, Drs. Adalberto Campos Fernandes, Marta Temido, esta última com o SARS-CoV-2 em cima dos ombros, Manuel Pizarro, e os seus secretários de estado, fizeram o que puderam e deram o melhor de si. Todos eles, com ou sem maiorias parlamentares, em condições que, no sector da saúde e da sua falta, foram naturalmente adversas, trabalharam sem descanso. Fui crítico do que precisava criticar, tentei ser um denunciante construtivo, espero nunca ter ofendido ou magoado sentimentos. Se o fiz, peço desculpa.

É habitual dizer-se que ministros e secretários de estado ganham mal, embora tenhamos de aceitar a relatividade de estarmos em Portugal onde os salários mínimo e médio são baixos. O certo é que quase todos os que aceitam integrar um executivo perdem salário. É sempre difícil, não sendo deputado, trocar um emprego certo por um lugar incerto. Também é evidente que os governantes têm demasiada exposição, nem poderia ser de outra maneira, raramente são avaliados com justiça e ficam sempre mais marcados por um erro ou uma declaração espúria do que pelo todo realizado. Exceto em algumas pastas económicas ou financeiras, perde-se sempre mais do que se ganha em eventuais cargos futuros. E ainda há os epítetos, de que dei exemplos em crónicas anteriores, sem esquecer o de “assassinos”, adjetivo maior em qualquer manifestação digna. “Está na hora, está na hora, do governo se ir embora”, torna-se desejo de governante ao fim de uns meses com esta música à janela.

Claro que ser governante pode dar alguma satisfação ao ego, sentimentos de algum ganho de prestígio e, sendo desafiante, é matéria de alguma satisfação, ainda que efémera. A verdade é que vai havendo quem queira estar na política e integrar governos. Ainda bem. Como escrevi, merecem agradecimento e, do público em geral, nunca o recebem. Apesar de tudo, ser escolhido para governante, pelo menos em Portugal, pode sempre ser visto como uma honra. Desconfiem dos que dirão que se tivessem sido convidados não aceitariam. “São verdes”, já dizia o La Fontaine como Bocage nos contou… “Contam que certa raposa, andando muito esfaimada”… É que, nesta coisa da roda viva dos putativos, só interessam os que ficam. Para a história, nem que seja na wikipedia, só contam os que que foram escolhidos, neste caso por serem aqueles que o Dr. Montenegro achou que eram os melhores e aceitaram o cargo, ou melhor dito, a carga. No fim do dia, multi sunt vocati, pauci vero electi e é isso que interessa. Esqueçam-se dos outros, como nos devemos esquecer das cartas fora do baralho. A não ser que se jogue poker.

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Nisto das avaliações de governo é sempre mais fácil denegrir. Começamos logo porque este Governo, resultado da maioria relativa parlamentar de que resultou a indigitação do líder do PSD para primeiro-ministro, tem, contra o que a oposição desejaria e para espanto do comentariado luso, ministros que são militantes e/ou simpatizantes do PSD. E como o PSD tinha uma coligação eleitoral que pressupunha um acordo de governação com o CDS, cometeu-se o despautério de nomear um ministro desse partido. Muito mais lógico seria, num governo do PSD-CDS e presidido pelo Dr. Luís Montenegro, ter a Dra. Mariana Mortágua na Defesa, o Prof. Francisco Louçã nos Negócios Estrangeiros e Economia, o Homem daria conta de tudo, a Eng. Paula Santos na Educação e o Dr. Pedro Nuno Santos nas Finanças, para percebermos se ele é forreta ou esbanjador. Infraestruturas? Deixem-me pensar. Já sei. O Prof. Rui Tavares que é o mestre do pensamento estruturado. Agricultura? Essa é fácil. Junta-se com a Saúde e designa-se a Dra. Inês Sousa Real, obviamente, para nos ensinar a viver ecologicamente sob regime de jejum intermitente com couves biológicas.

Brincadeiras à parte – não resisti – a verdade é que todos os governos começam maus para a oposição e terminam péssimos na comunicação social. Quanto à perceção pública, ela mede-se nas eleições. Veremos nas próximas que eu desejo longínquas, mas que talvez venham brevemente.

Contra o sentimento de alguma intelligentsia política eu entendo que não precisávamos destas eleições de 10 de março. O “grande diluente”, pensou diferente e dissolveu. Gosta desse exercício de poder, um dos poucos que lhe sobram depois de ter esvaziado o valor da sua verve. Explico. Sou um republicano, embora devoto apaixonado pelo sistema parlamentar do Reino Unido. Maioria fica, muda-se o primeiro-ministro. Eleições nos tempos próprios e até podendo ocorrer quando o primeiro-ministro entende ser altura de consultar o eleitorado. Não, não tenho razão porque os resultados demonstraram que a maioria sociológica de 2024 era diferente da de 2022. Argumento pouco defensável. E em 2025, a vontade popular expressa será igual à de 2024? E daqui a seis meses? Sim, vamos ter eleições antes dos 4 anos desejáveis, mas não porque a maioria sociológica, avaliada por sondagens que estarão erradas, tenha mudado. Nada disso. Vamos ter eleições porque trocámos uma maioria parlamentar, ainda que suportando um governo que já só era considerado bom por cerca de um terço do eleitorado votante, por uma amálgama de gente, em que nem todos sabem o que é ser deputado, de cujos humores o governo e Portugal estão dependentes. E, com um governo, embora de partido diferente, que só é suportado por um terço dos votantes. Mas é o que é. O governo que temos foi o melhor que o Dr. Luís Montenegro conseguiu arranjar. Tem pessoas de bem, com invejáveis qualidades, a quem se reconhecem méritos. Foi o possível dentro das regras e dos resultados do jogo político e, nem que fosse só por isso, tem de merecer o respeito democrático que já lhe estão a tirar.

Neste exercício prévio de capacidades de cada ministro, ainda antes de sabermos se vão ser capazes de se desembrulharem airosamente das tarefas que aceitaram, tem pesado o fator “experiência”. Ainda não percebi se a dita experiência se refere a experimentação prévia do desencanto, idade, trabalho desempenhado ou já ter passado pelas agruras da governação. Convenhamos que não poderíamos ter um governo saído da maternidade, embora isento do pecado da corrupção, nem um governo sempre e só com ex-ministros, um loop temporal como se vê nos filmes. E assim, finalmente, chego à Senhora que será a nova ministra da saúde.

Experiência do setor, em especial de SNS, na verdade, apesar da hagiografia que se quer construir, a nova ministra tem pouca. Mas também não é isso que conta. Há quem tenha sido ministro sem nunca ter trabalhado no SNS e se tenha desembaraçado muito bem. Há quem tenha sido ministro, com muito mais experiência no setor e no governo, com desempenho ministerial que não correu bem. E também haveria quem tivesse muito mais tarimba se o critério do Dr. Luís Montenegro tivesse sido o tempo passado no governo ou CV de administração hospitalar. Comparar 1 ano de gestão hospitalar com vidas inteiras a só fazer isso, seria estulto. Muitos profissionais de saúde teriam mais experiência do setor do que a Professora Paula Martins e, se formos por aí, voltamos à metáfora do “maqueiro” que usei no meu artigo anterior. O que interessa? Inteligência, capacidade de decidir, boa educação, savoir faire, empatia, predisposição para entender, vontade de aprender e querer governar. Tudo isto, a Senhora Professora Ana Paula Martins tem. E depois há a capacidade de adaptação a cenários permanentemente em mudança, inesperados, às vezes surpreendentes e quase sempre adversos. Mal comparado, é como tratar um cancro. Quanto ao sangue, suor e lágrimas, o tempo a ensinará. Mas percebem-se os elogios à insuflada experiência da Professora no SNS. Quanto maior for a expetativa criada, os elogios antecipatórios, mais fácil será malhar, a la Santos Silva, no ímpio governo da direita.

O que aí vem, a próxima ministra sabe-o bem e demonstrou coragem ao aceitar a incumbência, envolve dois problemas centrais. Recursos humanos escassos e descontentes, mais os longos e excessivos tempos de espera por cuidados e meios complementares de diagnóstico. Não se vão resolver estes dois problemas iniciais em dois ou até seis meses. Deve acrescentar-se o estado de degradação estrutural de hospitais e centros de saúde mais antigos, a falta de manutenção crónica e os problemas relacionados com a informatização dos serviços. Já escrevi sobre tudo isto. Hoje, ainda não há excedente orçamental que possa acomodar a necessidade de prestar mais cuidados, pagar melhor aos trabalhadores do SNS e assumir o custo dos medicamentos inovadores, os que há e os que vêm aí. Para tornar tudo ainda mais difícil e complexo, a envolvência da saúde está repleta de stakeholders, internos e externos, desde a indústria farmacêutica que a Professora Paula Martins conhece bem, até aos sindicatos e ordens, passando pelos credores à espera de serem pagos a horas, bombeiros, autarquias, académicos, doentes, seus familiares e terminando na população “saudável” que está farta de pagar impostos e prémios de seguros e já não aceita ouvir que está tudo bem. Também é verdade que não está tudo mal, mas a isso ninguém liga.

Uma coisa é o que se promete em campanha, num cenário de provável vitória, e outra é a realidade sociológica do eleitorado. No caso do XXIV governo a maioria estará contra ele. E, em larga medida, a administração pública e as suas chefias também não ajudarão. O PS deixou uma máquina instalada no terreno que tudo fará para dificultar a execução das políticas. É este um dos problemas maiores do País. Não temos uma administração pública largamente independente e despartidarizada. No caso da saúde, a Senhora ministra poderá escolher ficar com o que tem, nomeadamente com a direção executiva. Se o fizer, pese embora esteja a perpetuar descontentamento numa parte muito significativa das hostes trabalhadoras e das administrações não enfeudadas ao governo cessante, agradará ao PS e comprará uma paz artificial. Dormirá sobre o campo de minas que urge desminar. Se tentar mudar, correr riscos, ir à procura de pessoas com visão descomplexada e muitíssimo leal, com cabeças que a poderão ajudar, discordar sem mentir nem atraiçoar, poderá ter maior probabilidade de êxito e construir a imagem de um bom governo, provavelmente mais resistente às mudanças dos humores dos dirigentes da oposição parlamentar. Porquê? Um bom governo cria mais hipóteses de que os partidos que o apoiem possam ganhar eleições e até com margem substancialmente maior. Mudar as perceções do público, é nesse tabuleiro que se joga a sobrevivência deste governo. Para reformas, mudanças na saúde em Portugal, seria preciso um acordo alargado entre partidos, mormente PS e PSD, o que agora é impossível. Alguma vez será?