Os portugueses são, por larga margem, o povo mais porreiro do mundo: cá dentro, podemos dizer uns dos outros o que Maomé não disse do toucinho; mas, no dia em que o nosso pior inimigo se apresente a uma entrevista de trabalho lá fora, ai de quem diga mal. Não, senhor. Este é dos nossos. Do melhor que há! Fiquem descansados que não podiam ir mais bem servidos. Recebam-no, como mandou escrever o outro na lápide da falecida, com a mesma alegria com que nós o mandamos.

Dizem que é por causa do prestígio. Por causa do prestígio, era péssimo para Portugal, mas está óptimo para a Europa. Que prestígio? Do que, alegadamente, advém para o país por ter um dos seus nestes altos cargos internacionais. O que é estranho, porque não me lembro de Portugal ter ganho coisa nenhuma nos dez anos em que Durão Barroso foi Presidente da Comissão Europeia – até passámos um bocadinho mal, veja lá se está lembrado, durante a crise das dívidas soberanas. Será que a nossa vida melhorou desde que António Guterres é Secretário-geral da ONU? Então, e quando Mário Centeno foi Presidente do Eurogrupo? Lembram-se da loucura que foi? De como nem sabíamos o que fazer a tanto prestígio? Não? Ingratos.

É estranho. Tanto português que tem ocupado os mais altos cargos internacionais e continuam a só nos conhecer pelo Ronaldo. Tal como nós, em princípio, conhecemos mais a Noruega pelo bacalhau do que por Jens Soltenberg ou a Bélgica mais por Tintim do que por Charles Michel – e nem precisou de existir (o Tintim, queremos dizer). E é assim que deve ser. Porque, justamente, não haveria coisa mais desprestigiante se, por acaso, o Presidente do Conselho Europeu, ou a da Comissão, ou o Secretário-Geral da ONU, ou o da NATO, exercessem os seus cargos, por definição, supranacionais, com vantagem para os respectivos países de origem.

Pedir-nos que apoiemos alguém para um importante cargo internacional só porque é “dos nossos” é talvez a esperança naquela coisa muito portuguesa de ter um primo nas finanças ou um cunhado na polícia: nunca se sabe, pode dar jeito. A esquerda apoia por razões óbvias, a direita porque, pura e simplesmente, não aprende. Afinal, 20 anos depois, a esquerda continua a dizer que Durão “fugiu” para Bruxelas. Vítor Gaspar mostrou para quem trabalhava quando foi para director de Finanças Públicas do FMI. E a Álvaro Santos Pereira, hoje economista-chefe da OCDE, nem se dão ao “prestígio” de se lembrarem dele.

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Aliás, a possibilidade de António Costa querer “fugir para a Europa” a meio do mandato era, ainda há pouco mais de dois anos, antes das eleições que dariam a maioria absoluta ao PS, uma das grandes armas da campanha da direita. E aqui estamos nós, uma queda de governo e umas legislativas depois, mais parágrafo, menos parágrafo, mais caso de corrupção, menos suspeita, mais 75 mil, menos 75 mil no escritório do chefe de gabinete, mais crítica à intromissão da justiça na política, menos crítica, unidos em torno do apoio ao cavalheiro como quem pede votos para a nossa canção no Eurofestival. Mesmo que seja a Suzy com o “Quero ser tua”.

Se isto ainda servisse de moeda de troca nalgum acordo interno entre AD e PS para deixar respirar o governo para lá do orçamento de Estado, ainda era como o outro – o cargo é mais ou menos anódino e Costa é, de facto, cinturão negro em não atrasar nem adiantar –, mas é ver o histórico negocial de Montenegro, a começar pela questão da Presidência da Assembleia da República, para ter acerca disso as maiores dúvidas.

Em princípio, isto é mesmo o que é: uma daquelas rusticidades que Marcelo adora, sobretudo quando precisa de se desviar de algum assunto realmente importante. Boa para aqueles discursos de pretenso orgulho pátrio, que falam do tamanho da Z.E.E. e de pastéis de nata. Ou não estivéssemos a falar do primeiro-ministro segundo o qual receber a Liga dos Campeões em Portugal, sem público por causa da Covid, era um prémio para os profissionais de saúde, a cujas reivindicações não atendeu antes, durante nem depois dessa mesma Covid. Sim, é deste nível de prestígio que estamos a falar: Costa na Presidência do Conselho Europeu é mais uma glória de que nos gabarmos aos turistas no tuk-tuk, enquanto lhes impingimos pastéis de bacalhau com queijo da serra. Para mal dos pecados, all too very typical.