Chamam-se The Tyre Extinguishers, mas podemos e devemos chamar-lhes outros nomes. São sujeitos que esvaziam pneus de carros que acham poluentes, por regra os SUV. Começaram em 2021, nos EUA e na Europa, e já andam por cá, ao que parece sobretudo em Lisboa. Depois de realizado o serviço, deixam uma cartinha no pára-brisas: “Esvaziámos um ou mais dos teus pneus. Vais sentir raiva, mas não leves isto pessoalmente. Não és tu. É o teu carro.” O sermão prolonga-se pela página inteira, com referências elogiosas à ONU [!] e pesarosas aos “milhões de pessoas” que “estão a morrer por causas relacionadas com a crise climática”. Para o fim, justificam-se: “Por isso fizémos [sic] esta ação. Não terás dificuldade em mover-te sem o tem [sic] sugador de gasolina, seja a pé, de bicicleta ou de transportes públicos.” É notório que o empenho no “activismo” prejudica o processo de alfabetização.

Não é novidade que a ignorância se dá bem com a presunção. E a presunção destes mocinhos é ilimitada. Eles, e só eles, conhecem os problemas do mundo. Eles, e só eles, sentem-se habilitados a resolvê-los e a orientar o resto da humanidade, necessariamente herege, pelo caminho da Virtude. São transtornados, fanáticos religiosos em parte similares aos que tocavam o sino nas esquinas, a anunciar o fim dos tempos. A diferença é a diferença entre a loucura individual e a colectiva (a “folie à deux”, e a 30, e a 450, é uma condição psiquiátrica real). Aos poucos, tais profetas descobriram que vandalizar obras de arte não tinha reflexos imediatos nas emissões de gases e mudaram-se de Van Gogh e Monet para a Michelin e a Pirelli. Um dia, talvez descubram que estimular o comércio de pneus também não favorece o ambiente. Entretanto, convinha que descobrissem outras coisas.

É que, como os The Tyre Extinguishers recorrem à válvula e formalmente não destroem nada, a polícia promete não fazer nada. Pelos vistos, perturbar a vida alheia, forçar infelizes a pagar um reboque e, com jeitinho, provocar acidentes não constitui crime ou sequer infracção: a PSP avisa que qualquer queixa é escusada. Não admira que o gangue tenda a evitar a China ou a Arábia, onde a proeza os habilitaria a martírios maiores. Aqui deslocam-se sem constrangimentos de SUV para SUV, a exercer um trabalho que, à semelhança de quase todos os trabalhos dignos, se realiza de cócoras. Era importante complicar-lhes a vida.

Na ausência das autoridades, seria útil que os cidadãos imitassem os beatos do clima e, cito a carta no pára-brisas, tomassem “a responsabilidade de agir pelas próprias mãos” – para proteger a sua propriedade e, de passagem, para salvar a Terra da proliferação de doidos varridos. Aguardo com expectativa e espumante no frigorífico o dia em que a vizinhança de um bairro “de classe média”, o “alvo” explícito dos tarados, intercepte um tarado a fazer aos pneus aquilo que a desdita ou Deus Nosso Senhor fizera ao interior da caixa craniana dele. A partir daí, as hipóteses são abundantes, desde os vetustos alcatrão & penas até à prosaica sessão de porrada. Se se optar por retribuir o critério de formalmente não estragar nada, é importante concentrar os sopapos na cabeça do “activista”. É igualmente indispensável que alguém filme o espectáculo e o partilhe no YouTube, para efeitos dissuasores e serões de galhofa. De sobremesa, cola-se uma carta na testa do delinquente, que este, caso saiba, poderá ler quando despertar no hospital ou no meio da rua.

A título de mera sugestão, eis um possível modelo do texto, susceptível de alterações a gosto: “Apanhamos-te a esvaziar um ou mais dos meus pneus. Vais sentir dores no corpo, mas leva isto pessoalmente. Não é o teu corpo. És tu. Fizemos isto porque abusar de bens que não te pertencem tem imensas consequências, incluindo as que acabas de experimentar. A histeria ecológica tem prejudicado milhões de inocentes num planeta em que as mortes causadas pelo clima diminuíram 98% nos últimos cem anos. A necessidade de garantir um futuro para a humanidade, e um futuro que não se confunda com o regresso ao Paleolítico Superior, implica impedir que chalados impunes tomem conta disto. De resto, uma coisa são as homilias do eng. Guterres, que ninguém ouve ou respeita. Coisa distinta é ter um acólito da criatura a sabotar-nos o automóvel à porta de casa. Por isso te aplicámos um arraial de pancada. Mal te concedam alta, não terás dificuldade em mover-te com muletas, privadas ou cedidas pelo glorioso SNS. Se, ainda assim, insistires em brincar com câmaras de ar, compra uma e usa-a para boiar num charco, de modo a não poluíres o oceano. Felicidades! P.S.: os teus pertences ficaram no chão porque não te quisemos ofender enfiando-os num saco plástico.”

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