A direita, que tem a inveja no seu ADN, só se preocupa com aqueles que estão menos desenvolvidos do que nós se aproximam [sic] de nós. Nós não temos inveja: temos satisfação!

A extraordinária frase acima, proferida pelo dr. Costa numa celebração dos 50 anos do PS, não mereceu, que eu notasse, referências nos telejornais e de certeza não suscitou vestígio de indignação pública. Porém, merece dois ou três comentários. Vamos por partes, excluindo desde já a parte em que a língua é atropelada com gravidade. A ideia geral é a de que os socialistas apreciam que os países mais pobres da Europa deixem de o ser, e que só a “direita”, a “direita” invejosa, ressentida e desumana, é capaz de lamentar semelhante facto. A imensa bondade do PS está explícita nestas considerações.

Infelizmente, o que sobra ao PS em princípios falta-lhe em fins, excepto os tristes. Não devia ser preciso lembrar que é a administração do dr. Costa a responsável pelos resultados de Portugal em indicadores económicos, sociais, etc. Ou seja, que os demais países sobem nas tabelas da especialidade à custa da nossa descida, e que é esquisito ver um governante orgulhar-se disso. A verdade é que o público-alvo não é exigente. O público-alvo aplaude tais bazófias com o entusiasmo com que recebe uma esmola de 10 euros após o fisco o aliviar em 100. Ou com que aplaudiria os ossos devolvidos depois de o PS lhe comer o frango.

Não confundo o público-alvo com os dirigentes que, no referido evento, reagiram em êxtase às declarações do dr. Costa e à constatação de que a Roménia está menos miserável que nós. Os sujeitos e sujeitas com cadeiras reservadas nos certames do PS não só escapam à miséria como prosperam graças a ela. Logo, não há que presumir a sua idiotia. São desavergonhados, desonestos e na vasta maioria incompetentes: não são necessariamente irracionais.

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O mesmo não se pode dizer dos eleitores contumazes ou potenciais do partido, aquelas almas simples que, em vez de lucrarem com as manigâncias, são suas vítimas – e não percebem que o são. É para essa gente que o dr. Costa fala. É a essa gente que o dr. Costa mente. É com essa gente que o dr. Costa conta para lhe engolir patranhas infantis e tomá-las pela palavra da salvação. É essa gente que votou PS na sequência da “geringonça”, vota PS nas circunstâncias actuais e votará PS no dia em que o dr. Costa anunciar que o PIB per capita da Serra Leoa se superiorizou ao português, notícia que deveremos saudar com vivas e espírito solidário.

Assim é fácil. Sabem aqueles mitos acerca da prodigiosa habilidade política do dr. Costa? São exactamente mitos, postos a circular pelos comparsas para efeitos de propaganda e pelos adversários para mitigar a humilhação de termos uma criatura limitadíssima a mandar nisto com enorme à-vontade. A descontracção do dr. Costa, um Churchill se Churchill tivesse sido porteiro de boîte em Rio Tinto, é inversamente proporcional ao discernimento de uma parcela da população, a parcela suficiente para manter vivo nas sondagens um governo que reduziu a cinzas a própria noção de governo. Não é a história dos cegos e do rei zarolho: é pior. Em terra de brutos, invisuais, surdos e mudos, o dr. Costa é primeiro-ministro. E a terra em causa está desgraçada. O dr. Costa e os matraquilhos em redor fazem tudo o que querem, e nada do que eles querem é bom para nós.

Não pretendo insinuar que os eleitores da actual “direita” são modelos de lucidez. Aliás, os cidadãos excessivamente lúcidos só votarão em qualquer dos partidos não socialistas (tosse) com a alegria com que se desvitaliza um dente sem anestesia. Mas o ponto não é esse, do mesmo modo que, ao contrário do que acredita o inquilino de Belém, o ponto não é descobrir se a “direita”, seja lá o que isso for, está preparada para governar. O ponto é que o PS não está. O PS está preparadíssimo para continuar a governar-se, exercício que de resto vem praticando em 22 dos últimos 28 anos, e em estilo venezuelano nos recentes sete. Neste momento, a “direita”, nas coligações que fizesse e nas coligações que rejeitasse, até podia ser uma delegação de especialistas em bisca lambida e bagaceira (e não há garantias de que não o seja) e ainda teria uma vantagem: não é o PS.

As negociatas, os saques, os embustes e o despudor do PS ridicularizam o regime e asfixiam as pessoas, quer estas o compreendam quer não. Cada dia, o enxovalho é maior. Em cada semana deparamo-nos com rábulas que seriam impensáveis na semana anterior e são saudosas na seguinte. A cada mês, os portugueses que o terminam em condições de pensar pensam como é possível chegarmos a isto. E como é?

Há o PS, uma rede de rústicos com apetite voraz. Há, ou não há, uma oposição entretida em traçar “linhas vermelhas” entre si e segundo instruções do PS. Há o prof. Marcelo, que se colou ao PS enquanto a colagem não lhe prejudicar a popularidade e independentemente dos danos. E há o tal povo, que em quantidade bastante se deseja tão apático e tão dependente e tão baralhado que, entre outras maravilhas retóricas, gosta de ouvir o dr. Costa jurar que a indigência nacional é uma coisa positiva. O que não há são novidades.

Nota: estarei de férias nas próximas duas semanas. A crónica regressa a 13 de Maio.