Transitámos directamente de “no jobs for the boys” para “all jobs for de boys”? Se não é assim, é assim que parece. O Expresso fez (acesso limitado a assinantes), há uma semana, um trabalho de investigação sobre as nomeações e concluiu que em 69,1% dos concursos foram nomeadas as pessoas que tinham sido escolhidas pelo Governo em regime de substituição e, dessas, 83% estiveram lá mais de um ano, partindo assim para o concurso em clara vantagem. Os Ministérios em que essa prática está mais generalizada são os da Educação e o da Segurança Social.
O procedimento para colocar quem se quer no lugar parece simples. O responsável governamental nomeia um dirigente da sua confiança para substituir o anterior. O substituto deveria lá ficar 90 dias – prazo máximo da substituição -, enquanto era aberto um concurso. O Governo não abre o concurso, o substituto eterniza-se e quando o Executivo lança o concurso, depois conduzido pela Cresap, quem lá estava tem óbvias vantagens sobre todos os outros concorrentes. Acaba por ficar nos grupos dos três primeiros, a lista é submetida ao Governo que, obviamente o escolhe. Tudo legal e a aproveitar uma lacuna na lei que aparentemente não estabelece um limite temporal para o regime de substituição. A que se junta o facto de o Governo não cumprir a lei e não abrir os concursos dentro do prazo dos 90 dias. E assim se consegue, legalmente, “all jobs for the boys”.
A ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública Alexandra Leitão anuncia agora que quer mudar a lei dando à Cresap o poder de lançar “oficiosamente” os concursos, não se percebendo bem o que isto quer dizer, e por limitar o tempo da substituição – limite que já existe, implicitamente por via do tempo para abrir o concurso, e não é cumprido. Mas logo a seguir vem a “não solução” para o problema dos concursos viciados: “Depois, naturalmente, o tempo que durar o concurso já não está na mão de um membro do Governo”.
Mais do que mudar a lei, o importante era que o Governo a cumprisse, porque de facto as regras que existem não são más. Custará muito abrir um concurso assim que o lugar fica vago em vez de andar a dar formação no lugar ao substituto que se quer para o lugar?
Além disso, levando em conta a prática e, mais do que isso, aquilo que mostram que pensam alguns elementos deste Governo e alguns socialistas sobre a necessidade de garantir a independência dos dirigentes da administração pública, temos todas as razões para olhar para propostas de mudança desta lei como uma via de tornar indiscutível os “jobs for the boys”.
Num Governo em que há governantes que põem em causa o modelo de independência em relação ao poder político de reguladores e dirigentes, que considera que tudo tem de ser alinhado pelo que pensa o Governo, que frequentemente parece seguir a máxima “se não és por mim, és contra mim”, mudanças nas leis de recrutamento para administração pública apenas servirão para definir regras que espelhem as suas convicções.
Ainda nesta última semana assistimos à nomeação de Ana Paula Vitorino, ex-governante e destacada militante socialista, para a liderança do regulador dos transportes, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT). A Cresap não encontrou nenhum problema nesta escolha e os argumentos usados pelo ministro das Infra-Estruturas Pedro Nuno Santos revelam bem como se mistura tudo. Não está em causa o conhecimento que Ana Paula Vitorino possa ter do sector – que até já tutelou, pelo menos em parte. Estão em causa as condições que tem para exercer o cargo com independência do poder político, de um Governo do PS, partido a que pertence sem que seja uma militante anónima.
A independência dos reguladores, na tradição britânica e adoptada pela União Europeia, tem como objectivo proteger os sectores de mudanças de regras ou de decisões políticas construídas mais para conquistar votos do que para desenvolver o país. Os países que adoptaram estes modelos garantem decisões que produzem melhores resultados a médio e longo prazo, protegendo os cidadãos de impulsos eleitoralistas que têm custos a prazo. Um dos exemplos mais estudado é o dos bancos centrais que, com a sua independência, conseguiram controlar a inflação.
A partidarização da administração pública que tem como consequência a escolha de dirigentes pelo cartão do partido e não pela sua competência é uma tentação para comprar votos, sem dúvida. Mas, neste tempo de pandemia, devíamos ter pensado se não teríamos estado mais bem servidos se tivéssemos tido os melhores técnicos na liderança da administração pública, nomeadamente na Saúde, mas também na Segurança Social e até na Educação.
Uma das queixas dos governos é que correm o risco de serem boicotados se não escolherem pessoas da sua confiança política para os cargos. Pois esse é já um problema criado pela partidarização, que tem de ser resolvido, e que não devia passar por mais partidarização. Pode sempre substituir-se quem se considera que está ao serviço do seu partido e não dos cidadãos que a administração pública deve servir. Não se pode nem deve é substituir apenas para arranjar empregos a amigos que por sua vez vão garantir votos, sem pensar nos custos que isso tem para o desenvolvimento do país.