É um imperativo de consciência dar conselhos sobre indumentárias para casamentos. Não, o meu objetivo não é evitar embaraços sociais a pessoas desprovidas de gosto. Na verdade, sou motivada por missão mais nobre: proteger os noivos dos vampiros fiscais.

Recapitulemos. Em 2005 e 2008, na desgovernação Sócrates, o fisco andou pelo país a atormentar quem casou. Como somos gelatinas enamoradas de predadores estatais desgovernados, passou sem levantamentos populares a ousadia do fisco exigir (sem anterior indício de ilícitos) pormenores de festas privadas só porque sim, se grande, se pequena, que tipo de serviços contratados, de onde veio o vestido de noiva.

Claro que, para as pessoas do PS e da Autoridade Tributária que se mascaram todas as noites com os collants do xerife de Nottingham, um difuso ‘dever de colaboração’ significa ‘responder obedientemente como cordeirinhos às questões mais descabeladas e abusadoras da AT, porque vampirizamos dinheiro onde calha, e se não obedecer lá vem uma multa máxima ou duas ou três’. Estes comportamentos encantadores, inspirados nos bons hábitos do conde Drácula da Transilvânia, são potenciados pelo Tribunal Constitucional não querer ser maçado para defender os contribuintes dos abusos de poder do Estado. E por a maioria dos contribuintes não ter capacidade financeira para pagar a advogados quando a AT ferra os caninos. Por outro lado, não consta que alhos e crucifixos mantenham à distância inspetores da AT.

De resto foi uma grande benevolência pararem nos casamentos. E as pessoas que festejam aniversários (por exemplo, eu)? Que espera a Autoridade Tributária para constituir uma brigada de inspetores, destinada a verificar a data em que cada contribuinte faz anos e irromper-nos pela casa dentro anualmente, esperando encontrar-nos em flagrante festança? Parece-me também uma ideia catita criarem um dossier para cada português, a guardar no ministério das finanças, contendo todos os presentes de casamento e batizado – e não esquecer presentes oferecidos fora do sagrado matrimónio (costumam ser suculentos) – que cada um oferece e recebe. Nada menos que a devassa total. Cabendo-nos a nós, gelatinas, agradecer com reverência os serviços do estado não serem, por enquanto, tão intrusivos quanto poderiam ser.

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Continuando. Em 2006, a dupla fandanga Sócrates e Teixeira dos Santos determinou que as doações acima dos 500€ pagariam 10% de imposto de selo. Isto num governo onde estava António Costa e mais uma boa porção do atual desgoverno PS. Em 2007, a dita dupla fandanga condescendeu magnanimamente que doações de mais de 500€ entre descendentes, ascendentes, casados e unidos de facto estavam – ah, a generosidade; façam vénias profundas – isentas de imposto de selo. Depois veio a coligação PSD-CDS, e a verdade é que deixou esta aberração fiscal permanecer. Pelo que chegaram novamente os socialistas assumidos para atormentarem as populações e temos nova ameaça de inspetores da Autoridade Tributária empestarem os casamentos.

Não sei qual o método, todos pidescos. Depois dos casamentos exigem aos noivos acesso às contas bancárias para averiguar os donativos em dinheiro? Ameaçam até obterem uma lista dos presentes recebidos? Que ideologia de caninos pontiagudos justifica que se obrigue um cidadão privado, sem funções públicas nem indício de crime, a declarar quem convida para o seu casamento e que presente recebe?

Ou irão, qual ASAE no Natal com os brinquedos (que no resto do ano os brinquedos são seguros), infiltrar-se nas festas de casamento, vestindo capas de Drácula daquelas de Halloween, exigindo ver se as senhoras têm algum cheque para oferecer dentro das suas pequenas carteiras, ou os senhores nos bolsos interiores do fato? Ou, até, se as noivas usam o método tradicional de guardar valores no soutien?

É aqui que surge a necessidade de aconselhar as senhoras a optarem por vestidos justos e curtos – de forma a qualquer inspeção tributária poder justamente ser respondida com estalos, cotoveladas e pontapés aos inspetores. Ou, em alternativa, vestidos compridos e volumosos (as sete saias da Nazaré são uma inspiração), de modo a perder os inspetores no meio de tanto tecido. Os decotes profundos devem ser evitados para impedir acesso fácil ao armazém de cheques no soutien (peço encarecidamente perdão aos senhores que gostam de ver, e às senhoras de mostrar, um sensual cleavage). Os sapatos devem ser de salto agulha – em caso de necessidade de retaliação e incapacitação dos inspetores, este tipo de pisadelas provoca os danos mais dolorosos. Anéis pesados e volumosos tornam-se um must: são ótimas formas de dar uma traulitada, aparentemente involuntária, com objeto contundente em inspetores presumidos.

Os senhores devem abandonar os fatos. Sugiro comprarem uns calções de padrão igual ao dos seus filhos e aos vestidos das suas filhas. Se for particularmente conservador, poderá optar por calções de lã fria azul escura. Nunca use casaco. O único bolso deverá ser interior, nos calções, como têm os de praia para guardar umas moedas. Lá caberá perfeitamente, dobrado, o cheque de 501€ que dará (tremendo de excitação como se fosse um dos assaltantes de Tancos) aos noivos.

Cumprida a minha obrigação de ajudar inocentes contra saqueadores fiscais, reconheço que é de inteira justiça que as luminárias que inventaram este imposto de selo lhe sejam escrupulosamente sujeitas.

Ora, segundo as escutas disponibilizadas pelo Correio da Manhã e as notícias do processo da Operação Marquês, José Sócrates distribuía liberalmente ofertas de dinheiro superiores a 500€ (fazer uma transferência ou fornecer o cartão de crédito é tão dinheiro como passar um cheque) a numerosas senhoras. Nenhuma era ascendente, descendente, mulher ou unida de facto. Aproveito, assim, esta crónica para inquirir ao ministro das finanças se a AT está a investigar estas doações de Sócrates e se já cobrou o respetivo imposto de selo às senhoras que as receberam.