Existe, no comportamento humano, uma tendência das pessoas, bem estudada e documentada, para não falar sobre questões políticas ou mais sensíveis em público, no seio da família, ou junto dos amigos e colegas de trabalho, quando acreditam que o seu próprio ponto de vista não é o mais adequado ou o mais amplamente compartilhado. Essa tendência foi batizada de “espiral do silêncio”, e ganha particular interesse numa época em que o ambiente da opinião tem vindo a ser exponencialmente ampliado para o universo digital e das redes sociais.

Nos primórdios da internet e das redes sociais, muitos acreditavam que os espaços digitais poderiam facilitar a emergência de lugares de discussão com elevados níveis de pluralidade, diferentes o suficiente para que os que têm visões minoritárias se sentissem mais livres para expressar as suas opiniões, ampliando assim o debate público e adicionando novas perspetivas à discussão quotidiana das questões políticas.

E se não há dúvida de que temos hoje, com as redes sociais, uma significativa fragmentação da opinião, a arrumação que se faz das discussões não se traduziu em maior diversidade, mas numa balcanização dos fóruns de discussão onde o que se valoriza não é a diferença, mas a busca de espaços de validação das visões minoritárias, inter pares, que deu lugar muito mais a mimetismos do que a um reforço da criação de novas ideias.

O que vários estudos sempre nos disseram é que, tanto nos ambientes físicos como em rede, as pessoas estão mais predispostas a compartilhar as suas opiniões se anteciparem que os seus interlocutores vão concordar com elas, do que se houver risco de confrontação. O que ocorre é que isso hoje é mais verdade do que nunca, levando a que as pessoas migrem em muitos casos o seu processo de validação dos ambientes físicos para as redes sociais. Tal poderá ser surpreendente para muitos leitores, pois à superfície algumas redes sociais (sobretudo o Twitter e o Facebook) estão recheadas de aparente agressividade. Mas essa agressividade é apenas a face visível de todo um movimento silencioso que apenas observa e busca validação. E é porque a maioria silenciosa procura validação e não tanto confrontação que as redes sociais evoluíram para que a recolha de feedback seja empático (simbolicamente expresso na caça aos “likes”), precisamente para fomentar a criação de um ambiente favorável que alimente a participação e diminua a sensação de isolamento que é imanente a tecnologias despersonalizadas. Daí que a generalidade das redes sociais i) viva à custa de utilizadores que, na sua grande maioria, são meros “followers”, que se alimentam da adesão a figuras de referência – “influencers”, figuras públicas ou líderes de opinião – que agregam à sua volta os consensos de tribos de seguidores; e ii) fomente a idolatria, pois são as figuras de referência as que suportam o grosso do tráfego. Ao contrário daquilo que se possa pensar, a maioria dos utilizadores das redes sociais tem uma produção de conteúdos próprios nula ou baixa (por comparação com a sua navegação silenciosa), limitando-se a observar, aderir por “likes” a correntes de empatia, ou a partilhar conteúdos que consideram que lhes vão permitir fazer parte de correntes de opinião onde se sentem confortáveis.

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Ora, nos últimos anos constata-se existirem mudanças drásticas nos padrões de comportamento no momento de emitir opiniões online ou nos ambientes “face-a-face”. Há uns anos os comportamentos mais compulsivos eram sobretudo mantidos nos ambientes sociais físicos, sendo a leitura muito mais reflexiva. Hoje, porém, invertemos a lógica do comportamento, havendo uma tendência crescente para a opinião compulsiva, online, fomentada por algoritmos com uma grande capacidade de criação imediata de uma falsa sensação de empatia, expressa nos “likes” e no feedback positivo, e que ignora todos os que em silêncio optam por discordar, e uma diminuição significativa do debate nos ambientes físicos, onde uma boa parte das pessoas, e crescentemente, tende a não emitir opiniões que antecipem ser conflituantes.

A captura do debate para os ambientes digitais, onde o contexto, o espaço e os interlocutores são condicionados quer por algoritmos quer pelos interesses comerciais dos donos das plataformas, deveria, a meu ver, ser fator de preocupação de todos os que são a favor das democracias liberais, plurais e diversas, comandadas por cidadãos autónomos e livres.

Desde longa data que as pessoas, quando decidem falar sobre um determinado tema, contam com grupos de referência para validar a sua opinião. Historicamente os eixos principais de validação nasciam das amizades e dos laços comunitários, sendo a família, os amigos mais próximos, e as mediações formais, os pilares que mereciam a principal camada de confiança. Hoje, assistimos a uma tendência preocupante para que a validação se afaste destes eixos tradicionais para as plataformas digitais, em que o próximo está despersonalizado e esvaziado daquilo que é uma construção humana integral (de tudo o que resulta de uma presença corporal completa, como um sorriso, um olhar de sobranceria, ou de todos os elementos inspiradores do espírito). A validação faz-se em rede, ora em observação, ora em navegações erráticas e passivas, ora em confrontação com personas digitais despersonalizadas que o algoritmo vai arrumando até nos encaminhar para bolhas de empatia onde somos protegidos do que nos é diferente. Neste trajeto, os laços familiares, as fraternidades e amizades estão cada vez mais enfraquecidas e esvaziadas, acomodando cada vez menos saudáveis discussões e debates que, não há muito tempo, serviam como pilar essencial das nossas comunidades.

Longe de serem espaços de inovação, as redes sociais servem apenas para anestesiar a maioria no medo e no receio da validação, intimidando os que queiram ser mais controversos. O resultado dessa autocensura e silenciamento é que cada vez temos menos ideias novas a serem testadas, e o pensamento ao longo do tempo está cada vez mais enjaulado e contido. Este tipo de construção encoraja a conformação e suprime a coragem de ser diferente. Ou como dizia Kierkegaard, citado no artigo “The courage to be diferent” publicado na revista New Philosopher (Dez22-Fev23) que serviu de ponto de partida à presente crónica, “as pessoas exigem liberdade de expressão como uma compensação pela liberdade de pensamento que raramente usam”.