Francisco Louçã sabe que as suas propostas não têm exequibilidade económica e financeira. Tal como sabe que o seu plano ideológico não tem viabilidade social. Qual é, então, a sua ambição? Subjugar a esquerda. Isto é, condicionar o Bloco de Esquerda, fixar regras da relação com o PS e, entretanto, dominar o debate público. Até ao momento, o plano é um sucesso.
Comecemos pelo debate público. Há quem diga que as propostas, mesmo absurdas, têm sempre o mérito de lançar debates importantes. No caso de Louçã, não é assim. As ideias do eterno líder da extrema-esquerda até podem provocar debates, mas discutir o irrazoável não aproxima ninguém do razoável. Pelo contrário: só gera equívocos. E é mesmo isso o que Louçã pretende – criar uma ilusão de alternativa.
De resto, a sua proposta é mais um episódio de uma longa série de ideias, atiradas pela esquerda para salvar Portugal, que teimam em nascer na forma de manifestos ou derivados. E, inevitavelmente, morrer uns tempos depois. A esquerda anda, há anos, a brincar às soluções no debate público. Em 2009, com um primeiro manifesto a defender mais investimento estratégico no país (26 Junho), seguido de outro a exigir o reforço da opção pelo investimento público (2 Julho). Em 2011, com um novo manifesto utópico por um mundo melhor e contra os mercados financeiros (1 Maio), um outro pelo corte da despesa “supérflua e geradora de injustiças sociais” (16 Abril) e ainda outro pela protecção dos direitos adquiridos no 25 de Abril (22 Abril). E, já este ano, o famoso “manifesto dos 74” pela reestruturação da dívida (11 Março), assinado por Louçã.
Ora, para além da irresponsabilidade e da inconsequência, estes documentos têm em comum o calendário: surgiram sobretudo à volta de períodos eleitorais, para condicionar o debate público e, assim, as opções governativas. Funcionará se o PS vencer as legislativas? Enquanto não há resposta, Louçã vai fazendo o seu caminho.
Primeiro, fixando o rumo da reflexão interna no Bloco de Esquerda. Não é segredo que, entre os bloquistas, há quem defenda uma maior abertura do BE a outros partidos, incluindo o PS. Isto é, há quem considere que o Bloco não pode continuar a ser um mero partido de protesto, inconsequente e alheado das soluções governativas. Mesmo sendo uma evidência, as resistências são muitas – Louçã não quer e Ana Drago, que tem batalhado por essa abertura, perdeu tantas batalhas que optou por desvincular-se do partido. Ora, com uma Convenção Nacional no horizonte, Louçã quis estancar qualquer possibilidade de, até lá, o Bloco assumir uma posição diferente da dele. Secou tudo à volta. Assim, ninguém se esquece: o Bloco tem um dono; e o dono é Louçã.
Segundo, pressionando o PS. No desespero pela busca de alternativas políticas, a esquerda democrática prestará atenção a loucos e profetas, desde que estes lhe prometam um caminho. Louçã sabe-o. E, aproveitando o desnorte socialista, encosta o PS à parede: afinal, se os socialistas têm tanta dificuldade em avançar com alternativas, por que não usam a dele? O objectivo é simples: é Louçã quem estabelece as regras das coligações à esquerda. E fixou-as de tal modo que ir a jogo será fatal para os socialistas. Coligação sim, mas só se o PS se aproximar do BE. Não há espaço para fantasias: os bloquistas não abandonarão o seu ninho radical.
No meio de tudo isto, só não se compreende que Pedro Nuno Santos, deputado do PS, assine a proposta de Louçã. É que, enquanto defensor de uma convergência à esquerda, deu o nome à certidão de óbito desse projecto. E o facto de ser um feroz apoiante de António Costa levanta dúvidas pertinentes. É certo que Costa não queria abordar coligações ou entendimentos. Nem sequer discutir a política do “pisca-pisca”. Mas, agora, não tem como fugir-lhe.