Por esta altura, poder-se-ia pensar que a resistência oposta pela Ucrânia à invasão militar russa já teria terminado: ou com uma rápida vitória de Putin e os seus «homens fortes», os chamados «sloviki», ou com uma pronta e eficaz intervenção da NATO à qual esta fugiu lamentavelmente até agora. Afinal, nem uma coisa nem outra: a primeira por manifesta impreparação bélica da Rússia e a segunda devido ao receio da NATO perante a ameaça nuclear vociferada por Putin desde o primeiro minuto. Ora, se é certo que os incompetentes costumam ser perigosos, os receosos costumam ser egoístas e, neste caso, não quiseram manifestamente arriscar-se a sofrer a ameaça algo duvidosa dos atrevidos…

Até aqui, ninguém está a ganhar: a Ucrânia por que foi atacada sem mais nem menos, embora possa adivinhar os motivos ditatoriais da Rússia, e esta última por que não estava à espera da reacção da Ucrânia e da sua liderança. Em contrapartida, a manifesta escassez de informação militar por parte das televisões, a começar pelas portuguesas, não permite fazer um balanço rigoroso acerca da efectiva evolução da guerra. Contudo, nesta era em que a televisão – não só a portuguesa – é incapaz de acompanhar a evolução militar e se limita a notícias e comentários relativamente marginais, como a estratégia ucraniana do êxodo das crianças, das jovens mães e dos idosos inaptos para o combate, há outras fontes de informação que utilizam material proveniente de ambas as partes envolvidas na guerra, o que permite ter uma ideia mais precisa acerca daquilo que se tem estado a passar efectivamente: …

A boa surpresa é que Putin está a esgotar recursos humanos e armamento com que contava para demolir o sistema político-militar ucraniano em 3 ou 4 dias… Ora, entretanto, já passaram quase 4 semanas! Dito isto, o regresso à situação anterior é muito improvável, além das perdas humanas e materiais verificadas até aqui. A ideia posta a circular de que haveria um acordo em vista, não se confirmou nem provavelmente se confirmará. A promessa feita pela Ucrânia de renunciar à protecção que chegou a solicitar à NATO mal foi atacada mas que os Estados Unidos e a União Europeia lhe negaram, tem-se mostrado insuficiente para a Rússia por fim à guerra e muito menos devolver os territórios ucranianos ocupados, sem falar dos custos da reconstrução da Ucrânia!

Num contexto destes, chega a ser cómico – para não dizer cínico – o extraordinário artigo do economista Ricardo Cabral ao proclamar que as sanções económicas impostas pela UE só beneficiam a Rússia! Mesmo que isso seja exacto, o que não sou competente para avaliar, podemos ter a triste certeza que as reuniões ao mais alto nível da UE e da NATO, a realizar por estes dias, só podem confirmar a sua neutralidade militar perante o bárbaro ataque da Rússia. Agora é tarde, infelizmente, mas há quem tenha elaborado um conjunto de propostas que fazem todo o sentido: trata-se do recente plano de intervenção na guerra apresentado pelo Professor Abel Mateus… Não será a primeira vez que não o escutarão, infelizmente. Com panos quentes é que não vai de certeza!

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A forma como a NATO se tem recusado a intervir militarmente – se necessário, como tudo leva a crer que continuará a ser – é tanto mais indigna quanto a União Soviética, da qual descendem em linha recta Putin e os seus «duros», já havia assinado em Agosto de 1939 um «pacto de neutralidade» com Hitler quando rebentou a 2.ª Guerra Mundial. Esse acordo durou até quase ao fim do mês de Junho 1941 e a URSS só entrou em guerra quando foi atacada… Fica assim demonstrado que a ideologia, como acontece tantas vezes, muito pouco ou nada é determinada pela guerra. A brutal invasão da Ucrânia pela Rússia também não tem nada que ver com as ideologias de «direitas» ou «esquerdas» mas apenas com as aspirações imperialistas da segunda e com o heróico patriotismo da primeira.

Com efeito, a longa dominação que os governantes russos exerceram sobre a Ucrânia, desde o tempo dos czares até ao actual ditador, passando por Lenine, Trotsky e Estaline, é bem conhecida. Concretamente, o regime soviético esmagou em 1918 as aspirações independentistas da Ucrânia protagonizadas pelo movimento camponês encabeçado pelo anarquista Nestor Makhno, e reduziu a Ucrânia à «morte pela fome» nos anos ’30

Finalmente, já perto de nós, a actual Ucrânia – designação que significa «fronteira» – está neste momento a sofrer as consequências da ambição ditatorial, assumida pela actual clique dirigente russa, de resistir à passagem histórica dos impérios czarista e soviético à independência dos novos estados-nações. O confronto de países mais ou menos demo-liberais, como aqueles que constituem a NATO, com ditaduras como a Rússia, não se resolverá tão cedo nem provavelmente a bem.