Cinco Propostas para os Líderes Europeus:

Primeira Prioridade: cessar a destruição de vidas e infraestruturas na Ucrânia. Proposta 1: Embargo imediato às importações de petróleo e gás natural da Rússia, até ao cessar-fogo pelas suas forças armadas na invasão da Ucrânia e abertura de canais para ajuda humanitária no País.

Segunda Prioridade: proteger os países da UE que poderão estar ameaçados pela continuação do avanço da Rússia. Proposta 2: Declaração da NATO de que responderá imediata e incondicionalmente a qualquer agressão por parte da Rússia a qualquer Estado Membro, e que responderá imediatamente a qualquer ameaça nuclear, seguida do envio imediato de seis batalhões do exército americano para os Bálticos e Polónia; e de seis batalhões das Forças de Intervenção rápida da UE para o flanco oriental.

Terceira Prioridade: proteger a UE dos efeitos da guerra e reforçar a segurança energética. Proposta 3: Elaborar um Plano de Emergência Energético até final do ano, em resposta ao embargo, com um sistema de alocação e preços controlados do gás natural e combustíveis aos diferentes usos, dando prioridade à satisfação das necessidades básicas das populações. Suspensão dos pagamentos do carbono durante esta fase. Simultaneamente elaborar um plano de reforço da independência e segurança energética da UE nos próximos 3 (objetivo de autonomia das fontes russas) e 5 anos.

Quarta Prioridade: reconstruir os sistemas de defesa da EU e proteger a Democracia. Proposta 4: Declaração pela NATO de que todos os países incrementarão as suas despesas militares em pelo menos 2 pontos percentuais do PIB nos próximos dois anos, e com um mínimo de 2% já em 2023, bem como a triplicação das forças de Intervenção Rápida. Declaração pelo Conselho da constituição de um Fundo para a Reconstrução da Defesa da UE, com pelo menos €500 mil milhões para os próximos 5 anos, com recursos próprios da Comissão Europeia. Proteger a democracia através do apertar das leis do lobbying, do controle de investimentos estratégicos e dos financiamentos partidários.

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Quinta Prioridade: ajuda humanitária e de reconstrução da Ucrânia. Proposta 5: Elaboração de um plano de distribuição dos refugiados pelos Países Membros (a Portugal caberia cerca de 80 mil refugiados). Criação de um Fundo Humanitário e de Reconstrução para a Ucrânia de cerca de €50 mil milhões pela Comissão para os próximos 2 anos.

1 Introdução

A guerra de aniquilação movida pela Rússia contra a Ucrânia veio causar um sismo teutónico na geopolítica mundial e em particular na Europa. Ou os líderes da UE compreendem o que se está a passar e redesenham as estratégias económicas, de defesa e energéticas, ou estaremos no dealbar de uma terceira guerra mundial com consequências imprevisíveis para a continuação da existência da humanidade neste planeta.

Estamos no dealbar de uma nova era em que os grandes blocos geopolíticos se dividem entre a Europa, EUA e Aliados; China e Rússia. Este mundo tripolar irá dominar a definição de estratégias não só militares como económicas, com profundas consequências na definição das políticas económicas externas e internas da Europa e Aliados. A Europa viveu desde a segunda Grande Guerra à sombra da proteção da NATO, e com o colapso da União Soviética negligenciou os seus sistemas de defesa e cometeu erros estratégicos graves. A Alemanha, por trás do seu complexo de culpa e por confluências políticas dos verdes e Social Democratas, manteve durante décadas um país que é o líder incontestável económico da UE, mas que negligenciou gravemente a defesa e segurança do nosso continente. Como é possível um gigante económico ser um anão em termos de defesa? Esta questão vai ao cerne da UE. Estes erros foram explorados por Putin, que inclusivamente tem recrutado e pago o apoio de elites políticas, e atuado sub-repticiamente, para prosseguir as suas ambições geopolíticas e preservar a dependência energética europeia. Mas novos desafios se levantam no horizonte, com as cadeias de valor dominadas pela China e a dependência industrial da UE.

Vamos fazer três pontos fundamentais: (i) a Europa financiou e continua hoje a financiar a máquina de guerra de Putin. Atenção os cidadãos europeus e portugueses não estão a suportar os custos das sanções, mas pura e simplesmente, ironia da situação, a custear e financiar o esforço de guerra de Putin. Esta é a realidade pura e crua, como demonstraremos, e nenhuma das sanções impostas até agora resolve o problema; (ii) esta situação foi criada pela dependência energética da UE face à Rússia, que se transformou na “estação de abastecimento de combustíveis do mundo”. Em parte, esta situação poderia mitigar-se por um embargo da UE à importação de gás natural russo e em menor escala pelo embargo ao petróleo russo. As consequências económicas no curto e médio prazo seriam bastante sérias, o que obriga a propor soluções inteligentes e urgentes no curto, médio e longo prazos; (iii) O que pretende Putin? Fundamentalmente restabelecer o poderio militar da Rússia e dominar o espaço da grande Rússia, num regime ditatorial, sem ameaças da NATO. Para isso construiu um Estado policial baseado no capitalismo estatal, que sustenta uma vasta indústria militar herdeira da União Soviética, e que pretende continuar a modernizar com modernas tecnologias sejam ocidentais sejam chinesas. A resposta da UE tem sido tímida e de contemporização. A resposta da UE só pode ser reconstituir a sua capacidade militar dentro da Aliança defensiva da NATO, e desenhar intervenções que possam ajudar a transformar o modelo instalado por Putin que está esgotado e não lhe permite mais responder aos anseios das populações russas. No longo prazo, o Putinismo acabará por cair.

2 A UE tem um poder económico cerca de quatro vezes superior à Rússia, mas deixou-se dominar pela energia

A Rússia é o maior país do mundo em extensão territorial, e com uma das maiores dotações de recursos naturais do mundo. Tem uma população em 2021 de 146 milhões contra 448 da UE. O PIB total em USD era de 1 647 milhões, às taxas de câmbio correntes, o que representa uma economia próxima da Espanha (1 440 milhões), e apenas 9,6% da UE (17 078 dólares). Porém, esta estimativa está fortemente deprimida pela desvalorização que ocorreu depois da invasão da Crimeia. Em Paridades de Poder de Compra, e segundo o Banco Mundial, O PIB total em 2021 seria de 4 447 milhões de USD, já próximo da Alemanha (4 843 milhões), correspondente a 3% do PIB mundial, a que corresponde um PIB per capita semelhante ao de Portugal (30 431 USD por pessoa contra Portugal que tem 36 542, segundo dados do Banco Mundial).

A Rússia transformou-se na “estação de abastecimento de petróleo e gás a nível mundial”, com um valor de exportações total 378 mil milhões de USD, correspondentes a 1,7% do total das exportações mundiais. Porém, as exportações de petróleo e gás representam mais de metade destas. A Rússia é o segundo maior produtor mundial de gás natural (17% do total mundial), em que o maior cliente é a Alemanha e os países da Europa Central e Oriental, e o terceiro maior produtor de petróleo (12% do total mundial) em que os maiores importadores são a Europa e a China.

A Rússia exporta ainda grandes quantidades de minerais intensivos em energia, como aço e alumínio e vários minérios raros.

Em conclusão, a Rússia é um país cuja economia representa cerca de 26% do PIB da UE, com uma população de cerca de 32,5% da UE, e um PIB per capita de 68% da média da UE. Porém, tem um peso muito elevado no abastecimento de energia a nível mundial e da UE. Devido ao facto de a Rússia apenas representar cerca de um quarto da UE, o peso do comércio da UE com a Rússia representa apenas 4,8% do comércio externo da UE, mas já 37% do comércio da Rússia.

O problema da dependência energética é que é grave. A UE importa 40% do seu gás natural da Rússia, 26% do petróleo e 46% do carvão.

Os equilíbrios macroeconómicos da Rússia até à invasão da Ucrânia eram relativamente estáveis, com uma taxa de inflação de cerca de 5,9% em 2021 (dados da Statista). Com as contas públicas equilibradas, um excedente da balança externa corrente de 3,8% do PIB, e uma dívida pública de 14% do PIB, com elevadas reservas de ouro e divisas (538 mil milhões de USD).

3 A União Europeia Continua a Financiar o Estado Russo e a sua Máquina de Guerra: é urgente declarar um embargo às importações de petróleo e gás natural russos até ao cessar-fogo pela Rússia

A União Europeia está a pagar cerca de 10 mil milhões de USD por mês à Rússia pelas importações de petróleo e gás (a fatura portuguesa deverá ser de cerca de 200 milhões de dólares por mês), que estimamos cobrirem, pelo menos, 70% do esforço de guerra que a Rússia está a levar a cabo contra a Ucrânia (Quadros 1 e 2). No total de um ano, e considerando o início das operações em novembro de 2021, a UE contribuirá com 160 mil milhões de USD para a máquina de guerra de Putin, caso os preços do petróleo e gás permaneçam aos níveis atuais, até outubro deste ano! Urge secar esta fonte de financiamento que vai ao cerne da capacidade de o Estado russo às suas tropas e máquina policial repressiva. Nenhuma das sanções até agora implementada permite cortar com este financiamento. A UE está a fazer os pagamentos regulares dos fornecimentos de petróleo e gás, todos os dias em dólares e euros, que são transferidos para Gazprom, Rosneft e outras empresas. Estes são transferidos para o Estado Russo, que os converte em rublos e paga aos soldados, funcionários e mercenários. Sanções impostas como a exclusão do Swift ou congelamento de ativos não têm quaisquer consequências sobre estes fluxos. Apesar da Shell e BP terem encerrado as suas operações em retaliação, a capacidade de produção da indústria petrolífera russa mantem-se, com empresas como a Halliburton que gere a engenharia de exploração e extração.

O Quadro 1 mostra que as exportações de bens da Rússia atingiram em 2020 cerca de 450 mil milhões de USD, dos quais 242, cerca de 54%, são provenientes do petróleo e gás natural. Estas últimas receitas flutuam acentuadamente com a cotação internacional do petróleo, que também em geral está indexado a este combustível. Por isso, a Rússia constituiu um fundo soberano que é um dos principais detentores de reservas de divisas do País, para atenuar os efeitos financeiros daquelas flutuações. Do total das exportações destes combustíveis, a Rússia exportou para a UE, 116 mil milhões de USD, o que representa 31,6% das receitas de petróleo equivalente a 62 mil milhões e 54 mil milhões em gás natural, equivalente a cerca de 80% do valor exportado.

Caso o preço do petróleo atinja uma média de 96 USD o barril, em média, durante 2022, estimamos que haja uma subida substancial das receitas de exportação de petróleo e gás natural, que deveriam atingir 362 mil milhões de USD, no caso de não haver interrupção nos fornecimentos, e não houver a imposição de um embargo ao gás natural da Rússia pela UE.

Quadro 1

Fonte: FMI. Rússia, Article IV Consultations, 2019 para 2016 e 2020, e Eurostat para a UE. Estimativas do autor para 2022 Nota: os valores para 2020 do FMI, projetados em 2019 não têm o impacto da pandemia.

Quadro 2

Fonte: FMI. Rússia, Article IV Consultations, 2019, para 2016 e 2020 e estimativas do autor para 2022. As despesas militares são da Statista. Outras fontes na internet indicam que as despesas militares anuais são o dobro do indicado neste quadro. Nota: os valores para 2020 do FMI, projetados em 2019 não têm o impacto da pandemia.

O Quadro 2 mostra como o Estado Russo se financia e gasta estes recursos. Para 2020 o FMI estimava um total de receitas de 608 mil milhões de USD, equivalente a 34,3% do PIB, das quais cerca de 124 mil milhões eram diretamente identificadas como originárias do setor de petróleo e gás natural, correspondente a 20% das receitas totais. Supomos que haverá outras receitas derivadas deste setor, como impostos diretos e indiretos, ou contribuições e transferências diretas, mas não estão identificadas nos documentos disponíveis. Para 2022, estima-se uma subida acentuada destas receitas devido à subida das cotações e preço do gás natural vendido à UE. Assim estas receitas, indexadas ao preço do Brent, subiriam para cerca de 171 mil milhões de USD, das quais 82 provenientes da UE. Repare-se que segundo informações do mercado o preço de extração do petróleo situar-se-ia em torno dos 20 a 30 USD o barril, pelo que excedente é lucro.

Neste momento da guerra, a prioridade é conseguir o cessar-fogo pela Rússia que tem o domínio das hostilidades. Cada dia que passa representam enormes custos em vida humana e destruição de infraestruturas, pelo que é urgente que a UE tome uma posição firme e agarre a iniciativa frente à Rússia, em coordenação estreita com Biden. Assim, seguindo na esteira do embargo declarado pelos EUA e RU ao petróleo, carvão e gás natural russos, a UE deveria declarar de imediato um embargo, mas com o objetivo concreto de obter o cessar-fogo pela Rússia e a abertura da Ucrânia às organizações humanitárias para cuidarem dos feridos e vítimas da guerra.

Qual o benefício e custo desta decisão? Os benefícios seriam salvar as vidas de ucranianos, que com o acentuar dos bombardeamentos indiscriminados tipo Allepo, se estão a acentuar, por mais uns meses previsíveis de guerra. Os custos para a UE não são elevados. A interrupções das importações significam desde logo cortar com o financiamento do Estado Russo para a guerra. As indústrias que usam o gás natural poderão ter que suspender a produção por alguns meses, mas é possível estabelecer um plano de emergência no setor, usando as reservas disponíveis.

E que retaliação poderemos esperar? A Rússia tem muito mais a perder que a UE do embargo. As receitas da exportação de energia para a UE representam 13% do PIB russo, enquanto estas representam apenas 0,9% do PIB da UE. O problema é que para a UE se trata de um input essencial ao sistema produtivo e consumo final, com elevados efeitos indiretos, como veremos.

O cenário alternativo, com que os chamados países “conservadores”, no qual o governo português se inclui, contam, é deixar a Rússia atingir os seus objetivos militares na Ucrânia e contar que aquela não venha depois a atacar nenhum país da UE limítrofe. Esta opção é inferior por causa do prolongamento da guerra e as vidas que se podem poupar, e sobretudo porque revela mais uma vez a fraqueza da UE em enfrentar as ameaças postas por Putin, semeando as bases de incursões futuras.

Porém, é essencial perceber quais os efeitos económicos de um embargo. O corte das importações da Rússia não tem qualquer efeito se esta for capaz de substituir por outros clientes as vendas de petróleo, por exemplo. Continuará a ter as mesmas receitas no mercado internacional, onde é fácil escoar os seus produtos: aliás a China já se disponibilizou para o fazer. O essencial, aqui é procurar fazer baixar o preço internacional do petróleo para reduzir as receitas de exportação da Rússia. É, aliás essa a política de Biden e Boris Johnson, e que deveria ser acompanhada pela diplomacia europeia.

Mas no gás natural é diferente. Um embargo ao gás natural russo que chega através dos gasodutos significa um corte real das suas exportações, pois não há outra forma de o escoar. A Europa é fornecida pelos poços de gás do Norte da Sibéria, enquanto a China o é pelos poços do Sul da Sibéria. Aqui é que doi: e são cerca de 80 mil milhões de importações por ano.

4 Reconstruir a Segurança Energética da UE com planos de emergência no curto prazo e cortar com a dependência da Rússia em três anos. Rever profundamente o Green Deal

A Figura 1 e 2 mostra os tentáculos com que a Rússia tem capacidade de “estrangular” a economia da Europa de Central e de Leste através da rede de gasodutos e oleodutos que ligam os seus campos de extração do gás natural e petróleo aos centros consumidores. Putin já tinha usado o abastecimento do gás natural à UE via Ucrânia em 2009 como “arma estratégica”, tendo sido necessário a UE inverter os fluxos de gás a favor daquele país para o ajudar durante o Inverno. Porém, o organismo responsável, ENTSOG, não compreenderam que esta poderia voltar a ser usada, e não tomaram medidas para mitigar a dominação energética exercida pela Rússia, antes pelo contrário a acentuaram com a construção do Nordstream 2.

Mas o grau de dependência do gás natural, sob a forma gasosa, fornecido pela Rússia, varia substancialmente entre os Países Membros, como a Figura 3 mostra. Porém, são países como a Polónia, um dos mais afetados que clamam por um corte mais radical com a dependência da Rússia, em contrapartida com a atitude mais acomodatícia da Alemanha, pressionada pelos grupos da indústria e eletricidade, e condicionados pela posição dos verdes na coligação. Um estudo feito pela Universidade de Bonn mostra que um embargo imediato ao gás natural russo provocaria um défice imediato neste setor de cerca de 30%, mas os efeitos sobre o PIB seriam limitados a cerca de 0,3-0,5% do PIB.

Figura 1

Rede Dorsal de Gasodutos e Oleodutos da Rússia para a Europa Fonte: National Geographic Society

Figura 2

Mapa da Rede de Gasodutos da Rússia que ligam com a Europa Fonte: East European Gas Analysis

Figura 3

Grau de dependência do gás natural russo por países na Europa

A reconstrução da segurança energética da UE exige três planos: um plano de emergência de curto prazo, até ao verão/finais de 2022, e um plano de médio prazo que permita terminar a dependência a 3 anos, criando um sistema alternativo eficiente. Uma terceira iniciativa fundamental é a revisão do Green Deal que estava a mapear a atuação da UE no domínio climático, até 2050, de forma a reduzir as emissões de CO2, mas de forma eficiente e compatível com a salvaguarda dos princípios de segurança da União.

Já existem sugestões para um plano de emergência de curto prazo, elaboradas pela Bruegel, no que respeita ao gás natural, mas é essencial que os planeadores e reguladores do setor dos Estados Membros se reúnam em Conselho de Emergência para definir um Plano de Emergência Energético que permita enfrentar o embargo do gás natural e petróleo à Rússia. Os esboços feitos mostram que no cenário de se cortar a importação de gás natural (em fevereiro de 2022) e dado que o presente inverno tem sido relativamente ameno na Europa, as reservas existentes permitem abastecer o mercado até ao próximo inverno. O problema é preparar o próximo inverno.

A União e a Comissão Europeia são notórias, como já se tinha revelado na vacinação contra o Covid, pela falta de plasticidade e capacidade de mobilização imediata, mas aqui está uma nova oportunidade para demonstrarem a sua resposta às necessidades dos cidadãos europeus.

Estamos numa situação de guerra, e nestas circunstâncias é necessário compreender que os mecanismos de mercado no setor energético, podemos chegar a uma situação em que estes devem ser suspensos, e substituídos pelo controle de preços e alocação de recursos.

Para mitigar os efeitos das subidas de custos no setor da eletricidade, deveriam suspender-se imediatamente os pagamentos por conta do carbono. E para mitigar os efeitos da subida nos combustíveis não só suspender os pagamentos do carbono, como reduzir o impacto da fiscalidade sobre os preços, reportando-a ao nível pré-crise.

No que respeita ao mix de produção da eletricidade, este deve ser igualmente planeado pelos organismos responsáveis dos Estados Membros, mas desde já deveria alargar-se a todo o espectro mobilizável de fontes de geração, desde a reativação das centrais de carvão até ao prolongamento das centrais nucleares em operação. A International Energy Agency também já fez uma proposta de 10 pontos para reduzir a dependência do gás russo no curto prazo, que vão no mesmo sentido, incluindo também importantes medidas do lado da eficiência do consumo.

A segunda sugestão é de um Plano de Segurança Energética a médio prazo, que deve ser elaborado pelos organismos de planeamento dos Estados Membros e apresentado até ao verão. Este deve incluir as medidas de diversificação de fontes de produção, redução dos custos atuais de produção de eletricidade, e de eficiência a nível de edifícios, indústrias e transportes necessárias, como objetivos concretos e respetivo financiamento.

Finalmente, é necessário rever profundamente o Green Deal. As equipes que o elaborarem devem ser reformuladas, os modelos utilizados deitados para o lixo, pois não têm qualquer racionalidade técnico-económica, e a sua elaboração deve ser “ring-fenced” dos grandes interesses e lóbis envolvidos, o que em nossa opinião implica uma alteração radical da liderança do processo. Saibam os líderes europeus, e aqui é fundamental o papel da França, reequilibrar as forças políticas e económicas, perante o falhanço da Energiewende alemã, como este artigo de um grupo de estudos francês (Transition et Energie) mostra.

Ainda se fará um dia a análise da economia política do Green Deal, que se baseia na Energiewende alemã. O cerne vem dos acordos entre o SPD e os Verdes alemães promovido pelo Chanceler Schroeder em 2002, que acordou com as empresas de eletricidade encerrar todas as centrais nucleares até 2023, e construiu o gasoduto para ligar diretamente a Rússia à Alemanha (Nordstream 1), para além do investimento maciço em intermitentes. Depois de terminar o mandato entrou no Conselho de Administração da Gazprom, promoveu o Nordstream 2, e ainda permanece naquele, apesar de o seu staff já se ter todo demitido.

O que sugerimos é que se baseie a nova Política Energética, tendo em consideração os objetivos duais e equilibrados da Segurança e Climáticos, mas subordinada à minimização dos custos para a economia e à otimização técnica dos sistemas. Por exemplo, os modelos utilizados pela Comissão, da Universidade de Atenas estão fortemente enviesados e têm erros crassos, e não contemplam os princípios fundamentais da economia. Ou a UE, perante os enormes desafios que enfrenta tomam as medidas adequadas, ou estamos condenados a cometer os mesmos erros e a não conseguir competir a nível geoestratégico mundial, com as graves consequências que as intervenções da Rússia e as ameaças da China nos colocam.

Concluindo, para proteger a UE dos efeitos da guerra e reforçar a segurança energética propomos que se elabore um Plano de Emergência Energético até final do ano, em resposta ao embargo, com um sistema de alocação e preços controlados do gás natural e combustíveis aos diferentes usos, dando prioridade à satisfação das necessidades básicas das populações. Suspensão dos pagamentos do carbono durante esta fase. Simultaneamente elaborar um plano de reforço da independência e segurança energética da UE nos próximos 3 (objetivo de autonomia das fontes russas) e 5 anos. Neste plano devem considerar-se, entre outros: (i) integração dos sistemas de gasodutos de forma a permitir maior injeção através do gás liquefeito, maior flexibilidade Norte-Sul e Este-Oeste, e reforço do armazenamento, (ii) reforçar o papel do nuclear, na linha do proposto pelo governo francês, e nomeadamente pelos reatores de nova geração e nuclear modular; (iii) reconsiderar o papel do gás de xisto, de que a Europa possui substanciais reservas; e (iv) otimizar os sistemas em termos de intermitentes e segurança pela instalação de potências firmes.

Passemos aos aspetos de Segurança e Defesa Militar da UE.

5 Reganhar a iniciativa estratégica, proteger o flanco do leste da UE e dissuadir uma incursão da Rússia

A teoria dos jogos ensina-nos que numa guerra são fundamentais as posturas e as ameaças que uma parte faz à outra e as respetivas respostas. Mas, é preciso distinguir claramente entre o que é bleuff e o que representam ameaças credíveis. Na era nuclear, as ameaças de uso do arsenal nuclear teriam resultados catastróficos, pelo que o seu uso efetivo é um último recurso desesperado de um líder encurralado. Daí que continuem a ter a maior relevância as armas convencionais militares, e os ataques de destruição das infraestruturas, aterrorização das populações e de desinformação e propaganda que se forma desenvolvendo desde as terríveis guerras do século XX. A estes juntam-se hoje os ataques do ciberespaço e os tipos híbridos convencionais-digitais, em que a Rússia se tem distinguido. É, contudo, fundamental, referir, que não basta a força bruta dos exércitos e das armas, é pelo nível tecnológico das armas e de capital humano do pessoal, pela sua motivação e sobretudo pela qualidade da liderança (e valor da causa) que se consegue defender e derrotar quem nos pretende aniquilar.

O Secretario-Geral da NATO Stoltenberg já afirmou que a invasão da Rússia foi a “ameaça mais grave que a Aliança Euro-Atlântica registou em décadas”, e que a a “Rússia tinha destruído a paz na Europa”. E na declaração conjunta “, os líderes estavam a fazer esforços para estacionar forças adicionais no flanco oriental da Aliança”.

De facto, todos os líderes do flanco oriental da NATO, e sobretudo os dos Países Bálticos têm manifestado a sua preocupação com a vulnerabilidade a uma incursão por parte da Rússia, sobretudo para alargar o enclave de Kaliningrado entre a Polónia e a Lituânia, onde a Rússia tem estacionado mísseis de médio alcance com potencial de atingir desde a Alemanha à Polónia.

A NATO e a UE têm de continuar a estar particularmente alerta a qualquer movimentação de tropas para proteger os países da UE que poderão estar ameaçados pela continuação do avanço da Rússia.

Em particular, a NATO deverá continuar a ser incisiva na defesa do flanco oriental, e continuar a enfatizar que responderá imediata e incondicionalmente a qualquer agressão por parte da Rússia a qualquer Estado Membro, e que responderá imediatamente a qualquer ameaça nuclear. Somos de opinião que os reforços enviados são claramente insuficientes. A NATO deveria enviar de imediato seis batalhões do exército americano para os Bálticos e Polónia; e adicionalmente as Forças de Intervenção rápida da UE deveriam adicionar seis batalhões para o flanco oriental, incluindo a Bulgária, Roménia e Eslováquia.

6 Reconstruir os Sistemas de Defesa da UE dentro da NATO e Preservar a Democracia

Como frisamos na secção anterior, com países que detém milhares de armas nucleares capazes de destruição maciça, são ainda mais importantes os meios de segurança convencionais. O Quadro 3 mostra uma estimativa das forças militares e poder económico da NATO, Rússia e China, para além da UE e principais países membros. Não restam dúvidas sobre a enorme superioridade da NATO em termos económicos, com um PIB global de 42,3 biliões de USD, comparado com 4,3 da Rússia e 24,3 da China. Também a UE tem um poder dominante, com 20 biliões de USD, equivalente ao dos EUA. Estas estimativas são todas feitas em paridades de poder de compra, que evitam distorções nos preços.

Porém, quando se observam os dados do poder militar, com os dados disponíveis, a análise é bastante diferente. Permanece a superioridade da NATO tanto em despesas militares, devido à contribuição dos EUA, que tem sem dúvida, o maior poderio militar atualmente no mundo, como das forças disponíveis. Por exemplo, a NATO tem já um número de pessoal militar ativo de 2,98 milhões de pessoas, contra os 850 mil da Rússia, e a sua despesa anual é de 1 022 biliões de USD, contra os 154 da Rússia. Apenas a nível terrestre as forças da Rússia são em número semelhantes, mas em termos qualitativos muito inferiores.

Já a UE, isoladamente, se encontra numa situação de grande vulnerabilidade face à Rússia. As suas despesas militares anuais são semelhantes, bem como o número de ativos. Em termos de armamento terrestre é de cerca de um terço da Rússia, e só em termos aéreos e navais pode ser algo superior. A capacidade dissuasora de um bloco só se impõe com franca superioridade, de outro modo pode ser testada, como a Rússia de Putin está a ameaçar.

De uma forma global, sites como o indicado no Quadro calculam um índice de Poder militar que reúne sinteticamente estes indicadores. O valor de zero corresponde a maior poder militar em todas as dimensões. Os EUA têm o maior poder com um índice de 0,0453, enquanto a Rússia e China têm o mesmo índice, de 0,0501. A UE tem hoje um índice de Poder Militar ou Segurança e Defesa, ponderado com a população, cerca de 4 vezes inferior à Rússia!

Quadro 3

Quadro 4

O Quadro 4 mostra as despesas de defesa dos países da NATO, em percentagem do PIB, e a famosa meta indicativa dos 2% do PIB, que tinha sido avançada em tempo de paz. Como se vê, países importantes da UE como Alemanha, Itália e Espanha têm taxas entre 1,17 e 1,56% do PIB, claramente inferiores àquela meta. O Chanceler Scholz já anunciou a correção esta situação e a criação imediata de um fundo de 100 biliões de Euros do orçamento de 2022 para despesas de reequipamento militar. Mesmo assim, estas estimativas pecam por excesso. Portugal, por exemplo, inclui as forças policiais na Defesa, o que distorce as comparações, e colocaria o nosso rácio próximo do 1% do PIB. Entre nós, segundo os anúncios feitos pelo Governo, praticamente nada se pretende fazer até 2023, em termos de recursos adicionais para a defesa.

Contudo, devemos reforçar que estes objetivos foram fixados antes da ameaça da Rússia. Hoje, é urgente não só fixar um objetivo mais ambicioso, mas sobretudo estabelecer planos de modernização e reequipamento da Defesa de cada Estado Membro. Este esforço caberia primariamente aos Estados- Membros, mas deveria ter a coordenação dos serviços da NATO e entre os países da UE ter um Conselho Estratégico de Reconstrução da Segurança que coordenasse em termos estratégicos, para evitar duplicações e definir complementaridades, para além de princípios modernos e avançados das forças de defesa.

Este esforço de reconstrução deveria ser uma oportunidade para a recuperação da indústria de armamentos da UE, e de recuperação das cadeias de valor industrial.

Para reforçar imediatamente a capacidade de Defesa da NATO e da UE, propomos uma declaração pela NATO de que todos os países incrementarão as suas despesas militares em pelo menos 2 pontos percentuais do PIB nos próximos dois anos, e com um mínimo de 2% já em 2023, bem como a triplicação das forças de Intervenção Rápida. Declaração pelo Conselho da constituição de um Fundo para a Reconstrução da Defesa da UE, com pelo menos €500 mil milhões para os próximos 5 anos, com recursos próprios da Comissão Europeia.

Os líderes europeus necessitam de rever profundamente a estratégia existente, e definir novas estratégias energéticas de sustentabilidade e independência estratégica; e de segurança dentro da NATO e de reconstrução da capacidade dos Estados Membros em termos de forças convencionais de exército, marinha e força aérea, cibersegurança e híbridos, bem como defesa nuclear.

Outra medida a considerar é a introdução gradual do serviço militar obrigatório, na esteira do que Suécia já anunciou. A SEDES já propôs uma medida interimária que seria o serviço de cidadania.

Mas não bastam estas medidas de segurança. A União Europeia tem que preservar o seu maior bem que é a Democracia. E esta tem sido ameaçada sub-repticiamente pelo regime de Putin. Este tem destabilizado a União através do financiamento de partidos nacionalistas de extrema-direita e ambientalistas, lançado pontes para regimes iliberais como a Hungria. É conhecido o papel que a Rússia teve no Brexit, como os relatórios do Parlamento inglês mostra.

Urge, pois, tomar medidas adicionais na regulação do lobbying a nível europeu e nacional, controle dos setores estratégicos, sobretudo de informação e infraestruturas, bem assim como o financiamento partidário com fins de desestabilização para preservar a democracia.

7 A ajuda humanitária e à reconstrução da Ucrânia

Concordamos com a postura da NATO de não enviar diretamente tropas para a Ucrânia e de não declarar uma “no fly zone” na Ucrânia, porque poderia levar ao deflagrar de uma terceira mundial com consequências catastróficas imprevisíveis, como as histórias das guerras mundiais do século XX mostraram. Em contrapartida, é fundamental a ajuda militar que a UE, Alemanha, Reino Unido e Turquia estão a prestar à Ucrânia.

Da maior importância é o acolhimento que a UE está a fazer aos refugiados ucranianos, que segundo estimativas das Nações Unidas poderão atingir 4 milhões até finais de março. No seguimento deste esforço, era importante a elaboração de um plano de distribuição dos refugiados pelos Países Membros (a Portugal caberia cerca de 80 mil refugiados). A UE deveria também criai desde já um Fundo Humanitário e de Reconstrução para a Ucrânia de cerca de €50 mil milhões pela Comissão para os próximos 2 anos.

8 O abandono do Investimento Direto Estrangeiro e as Sanções a Longo Prazo irão reduzir substancialmente a capacidade de produção da Rússia e levarão à decadência do Putinismo

A UE desempenhou entre 2000 e 2014 um importante papel na modernização da economia e indústria da Rússia, como podemos testemunhar pessoalmente em visitas ao país, e como membro do Conselho de Administração do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD), o que infelizmente não foram devidamente reconhecidos pela Rússia e são em grande parte desconhecidos pelos cidadãos europeus. O BERD, antes da interrupção das operações devido às sanções impostas pela anexação da Crimeia, tinha um programa de investimentos anuais que totalizava cerca de 2 mil milhões de Euros. Neste programa desempenhava um papel fundamental o IDE da Alemanha, que era uma forma de expandir a sua indústria e mercados. Em particular, estes projetos levaram à modernização da indústria automóvel e de equipamentos agrícolas, cadeias de supermercados, centros comerciais, materiais de construção e setor bancário.

A UE é o maior investidor na Rússia. Em 2019 o stock de IDE na Rússia totalizava 311,4 mil milhões de Euros, enquanto o IDE da Rússia na UE estava estimado em 136 mil milhões.

O abandono do Investimento Direto Estrangeiro e as Sanções a Longo Prazo irão reduzir substancialmente a capacidade de produção da Rússia e levarão à decadência do Putinismo. Já mais de duas dezenas de multinacionais anunciaram a cessação de operações na Rússia, embora empresas como a Wolkswagen e outras em indústrias de equipamentos continuem a operar.

O caso da Rússia mostra as limitações da ajuda externa. Vastas áreas do interior da Rússia, cidades e indústrias permanecem ao nível tecnológico próximo do que foi a União Soviética, ainda dedicadas ao complexo militar-industrial, e onde o progresso ainda não passou.

A outra lição é que um sistema autocrático e ditatorial orientado para a agressão militar, em nome da reconstituição de um império passado, acabará por se auto-destruir.

9 Conclusão

A recuperação da pandemia, com as interrupções nas cadeias de produção, e o sobreaquecimento da procura devido às políticas monetária e fiscal expansionistas já estavam a originar um aumento da inflação. Para 2022 os organismos internacionais previam inicialmente uma inflação de 2,2% que se agravou para 3,2% devido àqueles fatores. Estima-se que o choque da guerra possa levar a um aumento adicional de cerca de 1,2-1,4%, o que desde logo representa um agravamento do custo de vida dos cidadãos europeus, podendo levar a inflação a cerca de 4,4-4,6%. Assim, em termos de PIB o custo direto e indireto do impacto da guerra na energia e bens alimentares, poderá ser equivalente a 1-1,2% do PIB, medido pelos efeitos das subidas de custos nestes setores. A Bruegel estimou os custos orçamentais da guerra em cerca de 1,25% do PIB para 2022, medido pelos efeitos de mitigação do choque de oferta.

Os custos para a Rússia das intervenções militares de Putin já são significativos, como o próprio começou a reconhecer. Os efeitos das sanções impostas pelo Ocidente devido à anexação da Crimeia e as intervenções no Donbas, já custaram ao país, segundo cálculos do FMI e do Banco Mundial, cerca de 10% do PIB, provocando a estagnação do PIB desde 2015.

Os custos da guerra atual para a Rússia são ainda difíceis de medir, mas irão certamente provocar uma queda significativa dos níveis de vida e do PIB. A inflação poderá subir dos 6% do ano passado para cerca de 10-15%, e o PIB cair entre 5 e 10%. Porém, o efeito mais importante é o de longo prazo, de continua estagnação e declínio dos níveis de vida, sobretudo devido à incapacidade de modernização tecnológica e de participação na economia global. Aqui é fundamental ver o que a China fará para ajudar o seu novo amigo na ordem internacional.

Um indicador importante do impacto das sanções são os efeitos na taxa de câmbio. Desde a anexação de Crimeia em março de 2014 o rublo registou uma forte desvalorização. Estas provocaram uma desvalorização de 60% entre 2014 e 2015 (média anual), e desde fevereiro de 2022 que o rublo já terá desvalorizado novamente 63%. Como o Banco Central da Rússia aboliu a convertibilidade do rublo, é difícil estabelecer qual a taxa de câmbio.

Gráfico 1

Fonte: FRED Data base

O modelo económico-militar de Putin está esgotado e não vai permitir o desenvolvimento da Rússia no longo prazo. As sanções irão levar ao profundo

O autor foi Diretor Executivo do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento entre 2011 e 2017, tendo conduzido ou participado em várias missões à Rússia e é autor de relatórios de aconselhamento do Governo russo, ao mais alto nível, até à anexação da Crimeia.