O descalabro em que nos encontramos e o facto de sermos os piores nesta situação pandémica desespera-nos. E não há como evitar a turbulência da triste realidade com que nos deparamos. Sabemos que temos de aguentar para não nos afogarmos mas estamos muito cansados e a enfraquecer o sentimento de esperança. O medo bateu à porta e entrou dentro de casa. Ouvimos cada vez mais casos de nossos conhecidos, amigos, familiares e o cerco vai apertando. Vamos rezando para passar entre os pingos da chuva e ora assustados, ora aliviados, por aqueles que nos tocam, tentamos relativizar e manter o foco no trabalho e nas lides necessárias. Choramos pelos mortos e continuamos. Estamos defronte um cenário medonho.

O medo é uma reação instintiva natural perante um perigo iminente. A presa sente medo do predador, nós sentimos medo quando percebemos o risco de sermos devorados por uma situação penosa. Ficamos aflitos e inundados pela angústia perante a incerteza do que advém e poderá acontecer sem qualquer antecipação certa do que será.

Neste momento sentimo-nos em desequilíbrio e sem liberdade. Para garantirmos a nossa sobrevivência psíquica agarramo-nos aqueles que gostamos e nos acompanham. Espreitamos pelas frechas que nos deixam olhar um escasso horizonte.

Donald Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, grande percursor da teoria do desenvolvimento infantil nas décadas de 50 e 60, mostrou-nos como a inscrição do ritmo temporal a partir das rotinas, dão confiança ao bebé. A previsibilidade que vai antecipando dá-lhe segurança no mundo envolvente. Nós, neste momento já não sabemos o que prever. A catástrofe da imprevisibilidade achincalha a capacidade de antecipação, de estimar qualquer expectativa. Ansiávamos por um novo ano que se revela ainda pior!

Não temos outro remédio senão ir fazendo o melhor que podemos. Continuarmos a proteger-nos, cuidarmos dos nossos, conservar os lugares de conforto, não deixar desaparecer a nossa curiosidade, deslocarmos a nossa atenção para diversos campos do saber. Tentarmos não ser consumidos pelo terror da incerteza. Estamos fartos e uns dias são mais difíceis do que outros mas a coragem continua a ser precisa.

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