Os velhos são um fardo e ninguém tem tempo para cuidar deles! E infelizmente, os deuses não são misericordiosos e não os deixam atalhar o caminho. Preferem mesmo deixá-los amontoarem-se nos corredores dos hospitais e nos lugares mais impróprios, à espera que um qualquer ser humano misericordioso, acabe de vez com este sofrimento cruel. Ainda para mais, com o aumento da esperança de vida e do pronunciado envelhecimento da população, este problema tem tendência para se agravar muito mais.
Talvez por isso, bem dita a hora que descobrimos a eutanásia, porque para evitarem querer viver nestas condições tão desumanas, vão fazer fila aqueles que anseiam pelo direito a uma “Boa Morte”. E aqueles que são contra a eutanásia não passam de uns egoístas, porque não são solidários com o próximo e não procuram terminar com o sofrimento alheio. E para além dos idosos que são ignorados e abandonados pelos cantos, ainda existem os que estão nos cuidados paliativos e que custam uma fortuna. E para esses não chega acabar com o seu sofrimento, é preciso sermos solidários e também acabar com o sofrimento dos outros que assistem.
Mas não estou aqui para a influenciar a vontade dos outros, tanto mais que para mim a grande referência existencial foi sempre Pôncio Pilatos. Um grande sábio, que percebeu que é sempre mais fácil nos demitirmos do incómodo de defender um interesse coletivo e de informar o próximo, lavando bem as nossas mãos. Sim, é quase uma questão de elementar bom senso não procurar esclarecer em nada o comum dos mortais.
Quando tantas vezes defendemos apaixonadamente os princípios, esquecemo-nos que os princípios são coletivos, porque só existem porque existe o outro. O sentido holístico do Estado de Direito resume-se ao facto de que o conceito de Bem Comum ou do interesse coletivo, tem muito mais valor que a soma de todos os interesses e direitos individuais. Quando o Estado perde a essência de proteger o Bem Comum e limita-se a ser um colecionador de liberdades e direitos individuais, o Estado perde o sentido de existir. Afinal se a soma das partes apenas vale pelo contributo de cada uma das partes, para quê darmo-nos ao trabalho de querer agregá-las?
Quando abrimos a caixa de Pandora da eutanásia, a sedutora “Boa Morte”, estamos a calibrar com o mesmo peso existencial, o direito à vida e o direito à morte, esquecendo-nos que na morte não existe um sentido coletivo para nada, apenas existe um fim.
Só um imbecil é que é indiferente ao sofrimento dos outros, mas não é por isso mesmo, uma maior prioridade, defendermos como maior princípio, procurar dar condições dignas àqueles que são abandonados pela sorte e que querem viver mas não têm como?
Não é por esses idosos, que se amontoam nos sítios mais inóspitos, que devemos lutar pelo seu direito também a terem uma vida decente e não continuar a fingir que não existem?
Se calhar andamos a esfregar as mãos há demasiado tempo, desviando as atenções para causas que se fecham em si mesmo, ignorando deliberadamente o flagelo oculto que está a assombrar a terceira idade. Porque a continuarmos assim, a pobreza envergonhada que se esconde por detrás do envelhecimento desta sociedade, vai ter como destino seguinte uma paragem obrigatória na estação da “Boa Morte“.
É bom que tenhamos a consciência que vamos ser o fardo de amanhã e que corremos o risco de que também ninguém queira pegar em nós, nesta sociedade envelhecida, endividada, desigual e profundamente egoísta. Somos os próximos a querer ocupar o tempo que os outros não têm para nos dar, e que nos vão querer fazer sentir que estamos a mais, porque somos uma fonte enorme de desperdício de recursos… Talvez nem nos vamos aperceber, mas podemos ser os próximos a sentirmo-nos envergonhados, simplesmente por querermos reivindicar o direito a viver!
A ‘Boa Morte” é apenas um atalho, não tem nada a ver com o humanismo. Ao queremos fingir que estamos a querer acolher todo o sofrimento individual, nem damos conta do quanto egoístas nos andamos a tornar.
Ficha Técnica:
Endividamento: Portugal é o quarto país do mundo com o maior rácio de dívida sobre o PIB, (fonte: FMI). Em novembro de 2019, o endividamento total da economia ascendia a 724,7 mil milhões de euros, o equivalente acerca de 346% sobre o PIB, (fonte: Banco de Portugal).
Envelhecimento: Portugal é atualmente o terceiro país mais envelhecido da Europa e o quinto do mundo. Segundo o relatório da Ageing People de 2019, Portugal será em 2050 o país mais envelhecido da União Europeia, (fonte: Eurostat).
População ativa: Portugal é o país da OCDE que vai registar a maior queda da sua população ativa até 2050, cerca de 30% que compara com apenas 5% da média dos restantes países da OCDE, (fonte: OCDE).
Desigualdade: Portugal em 2018 foi considerado o sexto país com maior desigualdade na União Europeia, (fonte: Eurostat). Para a População com mais de 65 anos, Portugal regista um dos índices maiores de desigualdade (índice de GINI) da OCDE, (fonte: OCDE).
Pensões: Em Portugal. o valor médio anual das pensões totais pagas (velhice, invalidez e sobrevivência) em 2017 foi de 4578,3, abrangendo um universo de cerca de 2,7 milhões de pensionistas, para um total pago de quase 3 milhões de pensões por ano, (fonte: IGSFF).