O fenómeno populista tem uma longa história, mas ganhou novo fôlego nos últimos anos, levando Pierre Rosanvallon a designar o nosso século de “o século do populismo”. Segundo uma investigação do The Guardian, entre o final da década de 90 e 2018, o número de europeus que votou em partidos populistas passou de 7% para 25%, e o número dos que tinha um partido populista no governo subiu de 12,5 para mais de 170 milhões. Em 2016, as eleições para o Parlamento Europeu foram um sinal de alarme: quase um quarto dos deputados foram eleitos por partidos populistas, o que foi visto como uma séria ameaça à democracia pluralista e à unidade da Europa. Calcula-se que mais de noventa países, onde vive mais de metade da população mundial, são governados por regimes não democráticos, muitos de cariz populista. O referendo do Brexit, em 2016, foi um exemplo de como o fenómeno populista pode também liderar decisões políticas de grande alcance.
O populismo político moderno está ligado à tradição democrática e participativa da cultura norte-americana. Era uma forma de reequilibrar a distribuição do poder político em benefício do povo, uma vez que o poder tende a concentrar-se nas mãos de minorias. Neste sentido, o populismo tinha a função de fazer regressar o poder à sua fonte originária, dando expressão direta à vontade popular. O populismo era, na sua raiz histórica, uma expressão genuína de democracia.
No entanto, os pressupostos ideológicos em que assenta o populismo moderno afastam-no muito do seu sentido original. O populismo tem uma visão dicotómica da sociedade. Considera-a dividida em duas realidades homogéneas e antagónicas: o povo “puro” (nós), desprotegido e manipulado, e uma “elite corrupta” (eles) que domina as estruturas do poder. O papel da ação política é exprimir a vontade geral e genuína do cidadão comum que não é verdadeiramente representada pelas estruturas formais. A oposição povo-elite não se fundamenta na posse da riqueza (oposição de classe), como no marxismo, mas no estatuto moral do povo. O povo representa a sociedade e a cultura autênticas, as raízes mais profundas e puras da comunidade, em confronto com a minoria que domina as estruturas do poder político, económico, cultural e mediático, apenas para satisfazer os seus interesses.
É esta visão polarizada da sociedade que torna o populismo uma teoria não inclusiva. A soberania está no povo como realidade abstrata e não no cidadão como pessoa única, cuja vontade individual conta. Na visão populista, o indivíduo está diluído no todo homogéneo da “vontade popular”, tal como os líderes a interpretam. Na perspetiva da democracia liberal, a vontade individual é expressa no princípio “um homem, um voto”. O populismo anula a vontade individual numa só “vontade coletiva”, substitui a ideia de igualdade pela ideia de unidade, levando à exclusão da diversidade, do pluralismo de opiniões e das instituições que o representam. Por isso, contesta o parlamentarismo pluripartidário e desconfia das iniciativas mobilizadoras das minorias sociais.
Mais do que uma ideologia, o populismo é uma forma de exercício da política e um quadro discursivo que se exprime numa retórica agressiva contra a democracia parlamentar e contra o poder instituído, mobilizando os sentimentos de revolta do cidadão comum contra as instituições, com base em argumentos pouco fundamentados, mas emocionalmente eficazes, expressos na linguagem vulgar. O seu estilo performativo caracteriza-se por declarações bombásticas, pelo tom agressivo, atitudes provocatórias, recurso a ataques pessoais, ao sarcasmo, utilização de linguagem rude, e pela quebra dos formalismos da comunicação política e institucional.
O populismo é um compagnon de route da democracia que floresce sempre que a democracia falha. Alimenta-se das crises económicas, das disfunções da democracia representativa, dos problemas levantados pela integração de emigrantes e minorias, da desinformação veiculada pelas redes sociais e dos escândalos de corrupção nas elites.
A crise política atual, desencadeada por fortes indícios de corrupção nas formas de conflitos de interesses, compadrio e tráfico de influências, envolvendo a cúpula do governo, e as declarações que se seguiram, de altos responsáveis, revelando faltas à verdade, contradições, jogos táticos e críticas à atuação da justiça, estimulam a polarização social e são um tapete vermelho para o populismo. Os escândalos de corrupção corroboram a visão de uma sociedade dividida entre o povo e uma minoria acima da lei, alimenta o ódio contra as elites, geram sentimentos de injustiça, de desigualdade, de revolta e de desconfiança nas instituições e nas suas lideranças, e abalam as bases da democracia representativa. Aumenta-se, deste modo, a procura social de autoridade, estabilidade, segurança e justiça, o reforço do poder do estado, o regresso aos equilíbrios sociais do passado e aos valores tradicionais. É a resposta que o populismo apresenta.
Ao contrário do que propõe a generalidade das forças políticas, a luta contra os populismos, de esquerda ou de direita, não passa por “cordões sanitários” e “linhas vermelhas” para os isolar, nem por ignorar o voto legítimo dos seus apoiantes. Quem votou nos extremos políticos fê-lo legitimamente. Não pode haver votos nem cidadãos de segunda. A representação parlamentar de todos tem de ser respeitada ou estamos a negar a essência da democracia representativa. A solução não está em combater os efeitos, mas em eliminar as causas. E as causas estão à vista. São a incompetência, a irresponsabilidade, a falta de integridade e de sentido de estado de alguns responsáveis políticos. Quando os resultados das próximas eleições mostrarem um aumento da polarização social e dos populismos, dificultando os consensos e a governabilidade, só têm de se queixar de si próprios.
Pode-se dar já um passo no bom sentido se todos os partidos políticos que se candidatarem nas próximas eleições incluírem nos seus programas propostas de planos de combate à corrupção, e de promoção da transparência e integridade, no exercício de funções públicas. É a oportunidade para se comparar propostas e vincular o futuro governo a compromissos que ficarão sob o escrutínio da opinião pública. Uma política orientada pela ética e pela competência é a melhor forma de combater os populismos. Quem receia o desafio?