1 Vivemos o tempo da indecência. Foi semeado há mais lonjura do que se pensa, deu-se bem com o solo, cresceu, amadureceu, deu fruto. Frutos. O país espantou-se que eles sejam tão tentaculares e venenosos, não tinha dado pela péssima qualidade das sementes. Ouvira apenas uns “dizeres” aqui e acolá, mas foi andando, por entre temores e rumores sobre a invulgarmente nefasta natureza da sementeira. Alguns dos vinhateiros continuam hoje de roda do mesmo solo, fertilizando a indecência com felicidade, a safra tem trazido fartura, quem sabe prometendo mais em próximas colheitas. O fim pode não estar próximo.

2 Não se sabe se um dia o solo ainda será arável nas mãos de novos semeadores, sabe-se que não parece haver pressa em procurá-los. Ou sequer de descobrir fornecedores de boa semente. Vai-se esperando, que é coisa que muito se pratica por cá. Ou desiste-se e há quem escolha fazer de conta. Pessoalmente, detesto qualquer uma das três coisas por definirem uma forma de ser e consequentemente de estar, que normalmente desagua em águas chilras. Não espero para me indignar nem desisto de perguntar e felizmente não estou sozinha na perplexidade envergonhada que tudo  isto causa: todos os dias abrimos mais folhas no leque das perguntas cuja ausência de resposta humilha qualquer português. Por exemplo: perguntar pela razão da precipitada escolha de alguém com desigual reputaçao para liderar o Banco de Fomento (pelo qual, ainda por cima, se esperava há quase quatro anos e agora, com tal atrapalhada marcha-atrás se irá esperar mais); pela desenvoltura leve com que o Primeiro-Ministro e o presidente da Câmara se descartaram do incómodo dos seus publicitados apoios políticos a personagens de pouca recomendação moral; pela desenvoltura ainda mais leve com que se continua a “contratar” na administração pública, substituindo o mérito pela filiação partidária; pela ora desnorteada, ora confusa, ora contraditória condução da 4ªvaga da pandemia, fazendo de milhares de portugueses uma massa de reféns atemorizados ou uma horda de desobedientes civis; perguntar pela enésima vez pela versão “verdadeira” do acidente mortal com o carro oficial do ministro Cabrita; e pela enésima milionésima, pelo relatório do Sporting; pelo “ponto de situação” da “salle  histoire” da escolha politico-partidária do Procurador Europeu, feita contra todas as regras ao serviço das quais está; pelo destino final da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital,  travestida de escudo protector contra a desinformação e a “falsidade” noticiosa, iniciativa que apesar de já contestada deveria ter sido levada muito mais a sério pelas suas perigosas consequências;  perguntar pela reiterada atitude ditatorial praticada numa escola pública de Famalicão sobre dois irmãos, excelentes alunos dessa instituição (?) de ensino(?), porque não frequentaram uma disciplina abusiva e distorcidamente confundida com “Cidadania” e lesando assim, pela segunda vez (!), os seus respectivos anos lectivos; e, já agora, perguntar também pelo paradeiro de centenas de computadores convictamente prometidos pelo –  inclassificável? – titular da Educação para a rede pública de ensino e nunca chegados ao destino, na alta quantidade propagandisticamente anunciada pelo ministro. E etc., que isto envergonha (que é o que acontece quando os governantes desrespeitam assim os governados) .

3 Talvez a principal característica do extraordinário sistema de vida que os socialistas impuseram ao país seja afinal este humilhante “pôr e dispôr” dos Portugueses, não lhes dando explicações sobre quase nada, decidindo, nomeando, escolhendo, sem a chatice de prestar de contas, ou prestando-as deficientemente, porque há sempre o salvíficio – para eles – biombo da impunidade. Perante isto, resta-nos a desconfiança como método enquanto se aguarda melhor sementeira. E não é só por ancestralmente trazermos a desconfiança nos genes que agora desconfiamos, não. É porque a isso nos impelem as decisões e actuações políticas do império socialista.

4 Dir-se-á que exagero, que não voto à esquerda, que só vejo defeitos, que. Isso seria confundir as coisas: é que mesmo podendo não parecer aos mais distraídos, eu estava a falar do país através da impressão digital que este socialismo lá deixa. Deus o leve para longe.

P.S.: Pequena nota adicional sobre o cidadão Eduardo Cabrita, ainda ministro. E sabem porquê ainda ministro? Porque faz um arranjão. Foi um bilhete premiado que saiu a António Costa & pares: Cabrita é um bombo da festa com a incumbência de distrair. Distrai da indiferença desarmante com que o Primeiro-Ministro ou privilegia ou distingue gente que o mundo sabe que não são flores que se cheirem; distrai da gravíssima questão da entrega de dados pessoais a embaixadas estrangeiras que para o presidente da Câmara permanece – para sempre? – um caso “administrativo” e não político; distrai das trapalhadas no lidar com a pandemia. Distrai do Verão atabalhoado e incerto que vamos ter; do lancinante Verão que (nao) terá restaurantes, hotéis, e tutti quanti, ora obrigados a serem elásticos nos estonteantes horários a que quase sem pré-aviso os sujeitam, ora impelidos a serem “enfermeiros” dos seus clientes.

Um bombo que é de borla, ainda para mais.  Quem ousaria dispensá-lo?

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