1 Um pouco por todo o mundo, as escolas estão a fechar portas para travar a propagação do covid-19. Inevitavelmente, também acontecerá em Portugal. Quando? Ainda não sabemos e, nestas circunstâncias em que todos temos opiniões e emoções à flor da pele, a melhor opção será mesmo confiar nas autoridades públicas e políticas – são estas que têm a melhor informação sobre o assunto e as melhores condições técnicas para decidir. Dito isto, há duas evidências actualmente inultrapassáveis. A primeira é que fechar escolas provou ser uma medida eficaz de contenção da propagação do vírus e que produziu melhores resultados quanto mais cedo foi aplicada. A segunda é que, nas escolas portuguesas, o ambiente está a tornar-se insustentável, com uma percepção generalizada de insegurança e medo, com professores inquietos e com vários alunos já a faltar às aulas. Apesar do louvável esforço de directores e professores, não sei se, do ponto de vista funcional, manter as escolas abertas não se tornará ingerível a curto prazo – desconfio que sim.
2 Seja hoje, amanhã ou na próxima semana, podemos estar certos de que as escolas acabarão por fechar portas. Ora, encerrar escolas tem várias implicações e levanta muitas questões ainda por resolver, entre as quais questões educativas que terão de obter resposta em breve. Convém começar já a pensar nelas. Nomeadamente nesta: como minimizar o impacto destas medidas de isolamento na aprendizagem dos miúdos – em particular nos anos de exames nacionais e acesso ao ensino superior? A resposta não é evidente, sobretudo se aceitarmos a possibilidade de o encerramento das escolas se alongar durante 4 ou mais semanas.
A solução mais óbvia, aquela que tanta gente refere e que está neste momento a ser implementada em muitos países asiáticos, é assegurar aulas ou actividades escolares através da internet. Esta é (de longe) a forma mais eficaz de comunicar à distância e não faltam aplicações educativas (gratuitas ou pagas) a que escolas e professores possam recorrer para, de forma relativamente eficaz, interagirem com os seus alunos. No ensino superior português, vários cursos e professores já estão a adoptar esta forma de comunicação. Só que, ao nível do ensino básico e secundário, esta hipótese dificilmente será uma solução viável, pois arrasta consigo dois problemas estruturais e de difícil resolução no contexto português.
O primeiro problema é o acentuar de desigualdades sociais. Esta solução depende do acesso a computadores e a ligações de internet de banda larga, o que excluirá alguns professores e ainda mais alunos, nomeadamente os mais desfavorecidos e dos meios rurais. É que, se é certo que o acesso à internet é cada vez mais generalizado, o mesmo não se aplica aos equipamentos – o número de computadores por residência varia muitíssimo em função do perfil socioeconómico das famílias. Repare-se que, precisamente por isso, nos EUA a situação já está a ser avaliada. Ora, acresce ainda que, sem estar fisicamente na escola e por isso “obrigados” a acompanhar as aulas, os alunos mais desfavorecidos e desinteressados serão os primeiros a faltar às aulas de ensino à distância – os dados internacionais mostram que a taxa de desistência no ensino à distância é muito elevada. Ou seja, esta solução poderia resolver a situação de muitos alunos, mas seria igualmente uma forma de acentuar desigualdades sociais existentes noutros casos – o que contraria a missão de um sistema educativo, que deve servir de elevador social.
O segundo problema é de eficácia. A qualidade das aprendizagens dependeria sempre da capacidade de os professores, sem terem obtido formação para tal, conseguirem rapidamente adaptar-se às aulas online. Na teoria, pode soar simples. Contudo, é muito mais difícil do que se possa pensar: não basta fazer igual à sala-de-aula mas à frente de uma webcam. Vários estudos mostram que, para ser eficaz em termos de aprendizagem, os professores que usem o online devem adaptar conteúdos, tornar a experiência mais interactiva e reduzir tempos de exposição (por exemplo, através de vídeos curtos). Assim, a única forma de antever algo minimamente eficaz seria o próprio ministério, remotamente, assegurar formação e conteúdos aos professores. Não é impossível, mas no actual contexto é particularmente improvável.
A consequência óbvia da soma destes dois problemas é a impossibilidade de uma implementação homogénea de ensino à distância pelo território nacional. Em algumas escolas básicas e secundárias, talvez graças a um professor mais inovador, soluções de ensino à distância poderiam funcionar com eficácia para determinadas turmas. Existem, de resto, várias escolas portuguesas (públicas e privadas) onde o uso da tecnologia está fortemente enraizado e onde a adaptação a esta nova realidade seria rápida. Contudo, em muitos casos, é razoável estimar que as iniciativas seriam desgarradas, pouco funcionais e sem eficácia. Ou seja, num contexto de emergência como o actual, em que não existem recursos ou tempo para preparar uma implementação estruturada do ensino à distância, as desigualdades entre as escolas acentuar-se-iam inevitavelmente, para prejuízo dos alunos em contextos sociais mais desfavorecidos.
Dirão alguns que, do ponto de vista do sistema educativo e do seu funcionamento num contexto de emergência, estes problemas poderão ser vistos como um mal inevitável e, por isso, “aceitável”, no sentido em que nenhuma outra alternativa viável existe. Mas a aceitabilidade teria sempre um limite inultrapassável: esta desarticulação e este acentuar de desigualdades seriam intoleráveis nos anos escolares em que se realizam provas de exame nacional, porque isso teria um grande impacto no percurso futuro dos alunos – em particular quando estiver em causa o acesso ao ensino superior. Se a suspensão das aulas se alongar no tempo, este será possivelmente o maior desafio organizacional.
3 Então, se esta possibilidade de ensino à distância não é uma solução realista para Portugal, o que sobra? Pouco ou nada, a não ser esperar. É frustrante? Sim, mas é a opção mais realista. Como tal, o cenário de prolongar as aulas até Julho ou realizar exames e o acesso ao ensino superior só em Setembro acabará por estar em cima da mesa – dependendo da duração das medidas de contenção da pandemia. Por mais constrangimentos que esse arrastar do calendário escolar possa implicar (às famílias, aos alunos, aos professores, às universidades), é fundamental que todos (agentes do sistema educativo e partidos políticos) apoiem caminhos realistas e seguros, em vez de alimentar ilusões e semear expectativas inatingíveis.