Não espanta que Elon Musk queira libertar a humanidade de redes sociais baseadas em modelos de negócio predadores e expurgar a comunicação social da censura político-partidária. O partidarismo influencia as falsas memórias e leva os indivíduos a aceitar “pseudo-mentiras” como verdadeiras, aumentando a predisposição para assimilar “fake news” e narrativas falsas. Basta observar o extremismo dos resultados eleitorais em vários países europeus ou recordar os tumultos de Washington e a invasão do Capitólio para constatar o poder das redes sociais, dada a propensão dos membros de um partido político para “recordar” acontecimentos que nunca ocorreram caso tais eventos favoreçam a imagem desse mesmo partido.
Musk sabe que a única solução política de futuro na esfera democrática é garantir a independência da partilha de informação e a transparência das transações de valor através da descentralização digital. É ilegítimo ocultar as regras do jogo, camuflando algoritmos que exacerbam os ânimos da sociedade para vincar segmentos de mercado ou demarcar facções para acentuar antagonismos políticos. O mundo não se resume a vender armas e publicidade.
Somos presa fácil de algoritmos digitais que aprendem a cavalgar convicções e emoções para desinformar e “otimizar” a segmentação dos utilizadores nas redes sociais, visando maximizar receitas publicitárias e obter dividendos político-financeiros. A procissão ainda vai no adro, pois se isso acontece nas redes sociais, imagine-se o que será submeter as novas moedas digitais programáveis aos tendenciosos algoritmos do poder. Tal já acontece noutras paragens, sendo necessário defender o mundo livre de um destino semelhante, ou ainda pior, do sorteado pela população chinesa.
Elon Musk conhece a nova realidade digital e já admitiu as virtudes de uma “super app” com múltiplas funcionalidades, incluindo a possibilidade de efetuar pagamentos e transações, tal como acontece na rede social chinesa Wechat, onde os usuários fazem praticamente tudo na sua vida quotidiana. Felizmente, ele também compreende que essa rede centralizada é utilizada pelo regime para monitorar e controlar a população, e sendo um espírito livre terá idealizado uma super app substancialmente diferente.
Protocolos criptográficos avançados viabilizaram as tecnologias de contabilidade distribuída (DLT), permitindo a descentralização da confiança necessária à instituição simultânea de privacidade e transparência nas redes digitais. Ao contrário do que acontece nas redes sociais centralizadas, cujas regras são estipuladas à revelia dos utilizadores, no Twitter de Elon Musk o pássaro poderá voar livremente. O mesmo raciocínio se aplica às moedas digitais descentralizadas (criptomoedas) que podem ser cunhadas e programadas pela própria sociedade civil. Com as criptomoedas, a excessiva emissão de moeda e a inflação deixarão de ser inevitáveis para servir os desígnios do poder. Por outras palavras, passarão a ser necessários consensos comunitários para alterar os contratos sociais que tutelam quer as publicações partilhadas quer as moedas transacionadas. Creio que isso é muito desejável, pois cada indivíduo saberá pesar as decisões que lhe afetam a vida e a carteira. Oxalá os governos fizessem o mesmo…
Com algoritmos digitais programados de forma transparente, as regras dos contratos sociais e do jogo político-financeiro dependerão das comunidades, sendo possível conciliar o mérito da iniciativa privada com a ética da ação coletiva. Esta aparente quimera torna-se realidade devido à articulação entre privacidade, autonomia, transparência e rigor na partilha de informação e nas transações de valor. Penso que Elon Musk já percebeu isso e julgo que se prepara para libertar não apenas o pássaro do Twitter, mas também a própria humanidade.
Para preservar a democracia, as transações quotidianas devem ocorrer em redes digitais cristalinas, administradas pelas comunidades e programadas à medida dos interesses das pessoas, e não em redes controladas pelo regime político, como já acontece na China, ou exclusivamente por grupos de interesse como tem acontecido até aqui. Dependemos cada vez mais das redes digitais e apenas o seu livre escrutínio defenderá a privacidade e a liberdade. Claro que as transações processadas nestas redes têm de ser encriptadas (só assim cada indivíduo controlará os seus dados pessoais e o seu dinheiro), mas o código informático que as regula deve ser aberto e transparente (open-source) para que todos conheçam e verifiquem as regras do jogo.
O dinheiro físico, em espécie, está condenado (por razões políticas e económicas) e todas as moedas serão digitais. Tendo em conta que as redes são a forma de organização mais competitiva, será nelas que se processará a maioria das transações. Por isso, é imprescindível garantir que as redes digitais não ocultam código malicioso. Tal certeza só é alcançável quando a transparência estiver no cerne da partilha de informação e da livre concorrência entre moedas digitais (centralizadas e descentralizadas), revertendo essa liberdade de escolha a favor da emancipação individual e do bem coletivo. Só assim teremos verdadeiros ecossistemas comunitários, e Elon Musk sabe isso muito bem.
Na rede Bitcoin, por exemplo, embora os dados pessoais sejam encriptados, assegurando, em larga medida, a privacidade dos utilizadores (que se encontra bem mais protegida nesta rede do que nos circuitos bancários), todas as transações efetuadas permanecem transparentes e podem ser consultadas até ao final dos tempos! Tal prerrogativa não é estipulada pelo poder, pois esta rede é descentralizada. No fundo, trata-se de beneficiar de um mecanismo transparente que permite a verificação de todas as transações, tanto pelas autoridades competentes como por quaisquer indivíduos habilitados oriundos da própria comunidade de utilizadores. Só com esta lógica de transparência desaparecerão os paraísos fiscais e outros quejandos (a fraude fiscal é tão condenável como a fiscalidade abusiva), porque “o sistema fiduciário internacional é muito mais propenso a branquear verbas”. Portanto, ao contrário do que certos populistas nos querem fazer crer, não é preciso instaurar regimes opressivos ou estados policiais para tratar os casos de polícia. Uma vez garantida a transparência, será a liberdade a cuidar de si própria, fazendo-o muito melhor do que quaisquer proibições.
Mentes esclarecidas consideram que é importante evitar a censura e o delito de opinião. Elon Musk decerto compreende que deve ser o povo a controlar os pagamentos efetuados aos governantes, e não os governantes a controlar os pagamentos efetuados pelo povo. Ele também sabe que as moedas digitais se baseiam em criptografia avançada e podem beneficiar de um mecanismo de confiança tecnicamente superior. No entanto, para gáudio de tiranos e ditadores, a versão opaca e centralizada destas moedas, as chamadas moedas digitais dos bancos centrais (CBDC), permite controlar os dados das transações e discriminar as funcionalidades monetárias disponíveis na carteira digital dos cidadãos, o que constitui um enorme perigo para a privacidade e a liberdade.
Assim, não admira que a Noruega dê o exemplo lançando um programa para tornar as suas CBDC transparentes, ou, ainda, que instituições como a Microsoft e as universidades de Oxford e Stanford unam esforços para garantir a preservação por 1000 anos do software de código aberto que permite a transparência digital, guardando-o, em cofres de aço, a 200m de profundidade, numa mina de carvão desativada sob uma montanha do Ártico, em Svalbard, também na Noruega.
Quem ama a liberdade defenderá a transparência das transações na era digital. Claro que a missão de Musk não será fácil. Libertar o pássaro do Twitter incomoda os interesses do costume e afeta o status quo, sendo previsível que a campanha de desinformação em curso para desacreditar as criptomoedas ganhe novo alento visando derrubar e confiscar o marco civilizacional que assinala o novo território da confiança distribuída e descentralizada.
Elon Musk bem sabe que a inovação tecnológica presenteou todos, sem exceção, com protocolos criptográficos praticamente infalíveis. Quem tem medo de que a nova linguagem da confiança distribuída seja soletrada livremente? Quem lucra com a respetiva centralização? Todos devem poder articular a nova linguagem da confiança distribuída e descentralizada, participando em redes sociais e sistemas monetários avaliados pelas próprias comunidades de utilizadores. Com a libertação e descentralização do Twitter, a informação sai da gaiola porque esta se torna transparente. Uma vez libertado o pássaro, também o dinheiro fluirá livremente se não o voltarem a engaiolar.