O que é um país? Uma nação? Um povo?

O que somos nós?

Uma identidade pessoal. Cada um de nós é único, sente-se e sabe-se único, consciente do ser que é e permanece durante, pelo menos, a sua (a nossa) vida. E, vivendo com outros, apercebendo-nos igualmente dessas (outras) existências, do “é” passamos ao “somos” e desenvolvemos novas afiliações:

Uma identidade social; que é comum, colectiva de muitas afeições, fidelidades, sentimentos de pertença. Uma multitude de sentimentos, que são de afecto, em relação a distintas entidades, individuais ou colectivas. Somos de uma pessoa, de uma família, de um clã, de um clube de futebol, de uma empresa, de uma associação de interesses, de inúmeros colectivos.

E somo-lo de diferentes formas e com diferentes graus de intensidade, todos importantes; a nossa lealdade – e os sentimentos que a acompanham – varia em função de muitas coisas, como a idade, a condição social ou material, as circunstâncias da relação, até mesmo a miríade de envolvimentos em que estamos empenhados num determinado tempo.

Somos pois uma identidade única embrulhada em múltiplos sentimentos de pertença; também ao colectivo mais vasto de que fazemos parte: A identidade nacional. Para simplificar (veja-se José Mattoso – a identidade nacional), trata-se essencialmente da consciência de pertença a um determinado país (evitando a palavra nação pela carga que envolve). E assim, de um modo por vezes simplista e apressado, dividimos o Mundo em duas categorias de seres humanos:

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Nós – Portugueses – e os outros – os estrangeiros. O processo de constituição ou consolidação da nossa identidade foi longo: correu séculos, foi escrito por reis, vilões, gente vulgar, passou por processos que podemos chamar de socialização cívica (ou nacional), baseada em coisas como a conscrição, o sistema de ensino obrigatório, a língua, os impostos em comum, o serviço nacional de saúde, a invenção de heróis e lendas da história pátria, ou até de longínquas raízes míticas da nacionalidade, a crescer muito antes da sua criação histórica (os lusitanos…).

Tudo isso e mais, inculcam em nós sentimentos vagos mas reconfortantes: o de constituirmos com esta gente, com os nossos, com os Portugueses, uma comunidade de destino cujo principal fundamento resulta de sermos… uma comunidade de origem. É pois isso: somos uma identidade nacional antiga, pelo menos da idade da nossa (historicamente) antiga nacionalidade, uma das mais velhas da Europa, até do Mundo. Somos Portugueses. Envergonhados por vezes na nossa diáspora, tímidos no orgulho com que enchemos o peito de egrégios avós, ufanos da língua que inventámos e é património mundial. Somos Portugueses há muito. Lutámos em Aljubarrota, defenestrámos Vasconcelos, enfrentámos espanhóis na guerra das laranjas, criámos uma nação ultra-atlântica do tamanho de um continente. Em nome de Portugal.

E depois chegou o futebol. Não direi – como Gilberto Freyre sobre o Brasil – que por ele se define a nossa identidade nacional. Mas cada vez mais a confirma, a define, lhe dá contornos e uma tessitura que pelo Mundo onde há Portugueses – e há Portugueses em todo o Mundo -, se revê nas vitórias e derrotas do pontapé na bola. Que mistério é esse que rola no movimento do esférico, canta no salto do corpo no vazio, grita com o balouçar da rede e o gesto de vencido do guarda-redes adversário?

Não sei. Não interessa agora. Agora, vamos cerrar os punhos com Patrício, feito Martim Moniz, a segurar a bola com luvas de ferro. Com Coentrão a avançar pela ala à laia de Diogo Cão, afrontando os maus ventos e os escolhos ameaçadores; com Moutinho a traçar suaves diagonais por entre chuteiras hostis, um olho no Adamastor e outro na Taprobana; e com Ronaldo, claro, o Condestável, CR7 do Mundo, sobrevoando fantasmas com um sopro de vento e, num gesto puro, a desenhar uma linha entre o espaço fechado da baliza e o infinito pela qual a bola desliza como um colibri. Vamos sonhar um sonho a mover-se, por instantes, na vida real. Com eles e com os outros, navegadores, descobridores, Portugueses anónimos espalhados pelas 4 partidas da Terra, vamos sofrer e vibrar em uníssono com milhões de almas, compatriotas de todas as paragens, mas também com os brasileiros que nos apoiam, os falantes da nossa línguas que “torcem” por nós, porque também entre nós e eles há laços, há sentimentos identitários, há comunhões de origem que são também de destino, pelo menos o tempo de um jogo, 90 minutos de paixão e sofrimento.

Hoje, meus amigos, a este leme os jogadores da selecção são muito mais do que eles, são um povo que quer o Mar que já foi seu e o pode ser de novo, e mais que o Mostrengo que a sua (a nossa) alma tantas vezes teme, manda uma vontade que os ata ao leme, a vontade de milhões de corações a bater em simultâneo. Com a devida vénia ao grande Poeta, claro.

Não há explicação para a importância que o futebol ganhou na nossa identidade colectiva. Para alguns, se calhar, é uma ofensa ao que verdadeiramente conta. Pensarão até, em silenciosa conversação com os seus intelectuais botões, que é… “foleiro”.

Tenham paciência. Sentimos orgulho. Somos Portugueses, pertencemos a um clube: Portugal.

Hoje, a partir de hoje, finalmente, só uma coisa interessa: Vencer.

Ou perder num dia para nos reerguermos nos seguintes, mais fortes, mais capazes, com coragem. Em nome de todos. Em nome do país que nos dá nome:

Portugueses.