Já todos sabemos: avizinham-se tempos difíceis e muitos exigentes. Para além de desafios atuais, como a gestão da crise sanitária, em curso, e a imposição do Estado de Emergência, e conforme tem sido amplamente discutido, o país tem de se preparar para os desafios que irão surgir no futuro, fruto dos efeitos desta crise: a médio-prazo de gestão de uma ‘nova’ normalidade, de duração ainda imprevisível, e de convivência com a ameaça do vírus podendo contemplar períodos de confinamento intermitentes; e a longo-prazo de mitigação dos efeitos económicos, sociais e políticos e de relançamento da economia.

Este novo contexto obriga a repensar tudo o que demos por adquirido, até então, nos domínios da Saúde, do Trabalho, da Educação, da Segurança Social, da Economia, das Finanças Públicas, de Política Externa e de reposicionamento do País numa nova ordem global. Não restam, portanto, dúvidas de que iremos enfrentar desafios únicos de adaptação a uma nova realidade global e nacional que exigem a participação e o contributo de todos.

Perante este contexto, parecem-me muito pertinentes, se não necessários, os apelos a governos de unidade nacional, no sentido lato da expressão, independentemente da forma que possam assumir, seja através de governos de crise, grandes coligações, acordos de regimes ou soluções governativas que englobem os dois principais partidos. Por isso, não percebo a desvalorização desta discussão na praça pública e a pressa com que muitos comentadores concluem que é extemporânea ou com que pretendem arrumar a discussão com argumentos de tacitismo político atribuindo todo o tipo de intenções aos principais protagonistas políticos. A crise pandémica e os seus efeitos colaterais económicos e sociais estão a desenrolar-se neste preciso momento pelo que a discussão de todas as possíveis soluções governativas dever-se-ia fazer o mais cedo possível.

Conforme já escrevi aqui, não basta repetirmos até à exaustão que ‘ainda bem que não somos a China’ pois o que poderá estar em causa é a própria resiliência dos regimes democráticos perante ameaças desta natureza a par de um acelerar das tendências populistas que podem aproveitar ameaças de ‘saúde publica’ para endurecer regimes, ou, para captar adeptos e militantes para a sua causa.

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Este é o momento de pensar fora da caixa e de demonstrar que as democracias podem enfrentar tais ameaças recorrendo a todos os mecanismos ao seu dispor, nomeadamente a governos de unidade nacional, que permitam a estabilidade e a legitimidade necessárias para pensar o país para além da ‘medida’ ou do ‘acordo parlamentar’ do momento. Este debate é relevante no contexto nacional, mas também no resto da Europa, como bem defendem Maciej Kisilowski e Anna Wojciuk no artigo ‘How democracies can fight pandemics?’.

Portugal tem ainda a vantagem de os partidos do arco da governação não terem visões diametralmente opostas ou profundamente incompatíveis sobre os destinos do país, nem de correr o risco de ter de partilhar o poder com nenhum partido populista, propenso a tendências iliberais, como poderia vir a ser o caso de países como a França, a Alemanha ou a Itália.

Dir-se-á que a democracia precisa de alternativas sólidas e de pluralismo político e que a oposição desempenha um papel fundamental de necessário escrutínio e debate de soluções alternativas. Mas se tal é verdade em situações de normalidade, tenho sérias dúvidas que um governo minoritário seja o mais adequado para fazer face ao contexto de excecionalidade como o que vivemos agora. Também não creio que o facto de a oposição participar de uma solução governativa signifique demitir-se desse papel. Antes pelo contrário.

Não é por acaso que os países que mais recorrem a governos de unidade nacional são aqueles que enfrentam guerras e/ou permanentes ameaças à sobrevivência e segurança nacionais.

Dir-se-á, também, que esse apoio já existe no terreno numa base casuística – conforme se pode constatar na gestão da crise sanitária e que essa unidade nacional já existe, em grande parte, na prática. Mas uma coisa é fazer a gestão da emergência, outra é pensar estrategicamente para lá do surto da crise e numa solução governativa, de médio-prazo, que conduza o país num dos momentos mais exigentes da história da democracia portuguesa. Significa também permitir a governação sem os atropelos e distrações constantes da chicana política ou sem deixar decisões fundamentais para o nosso futuro coletivo à deriva dos acordos possíveis do momento de um governo minoritário. Esse consenso alargado ao centro, em torno da recuperação económica e social do país, já existe na sociedade portuguesa – porque não refleti-lo na liderança do país?

Em momentos de polarização política, em que o que parece vingar é o tribalismo político e ideológico no establishment político e mediático, apelos à unidade e ao consenso são pouco populares e muitas vezes alvo de cinismo. É sempre mais fácil ganhar adeptos, conquistar ‘clicks’, ‘likes’ e ‘partilhas’ assumindo um lugar da barricada seja ela qual for. Mas – e correndo o risco de repetir lugares comuns — importa perguntar o que poderá melhor servir o interesse nacional no longo-prazo: uma oposição comprometida com a recuperação do país pós-Covid que assume a responsabilidade mas também o mérito pelas opções tomadas ou uma oposição demasiado concentrada no taticismo político, em ‘apanhar’ as contradições do dia, as falhas cometidas dos que nos governam, em propostas alternativas que se arriscam a ficar pelo papel? A mim não me restam dúvidas.