1 Uma unidade de saúde dá resposta diária a milhares de doentes. Das 08h00 às 20h00, na era pré-Covid, era um frenesim de gente. Mesmo uma agenda devidamente bem programada significava um entra e sai de pessoas. Crianças, adultos, grávidas, planeamentos familiares. Todos à hora marcada para a sua consulta.
Desde o início da pandemia, todo o modo de funcionamento se alterou. Um médico, ou por vezes um enfermeiro, está à porta numa “triagem”, onde pessoas com tosse, febre, são encaminhadas para unidades próprias de atendimento ao Covid e, se tiverem dificuldade respiratória, são encaminhadas para o hospital.
Todos os outros sintomas mais duvidosos são atendidos numa sala própria, por um médico, com o correcto equipamento de protecção individual.
As consultas são preferencialmente feitas à distância, nomeadamente, por email ou telefone.
Mas, tal como toda a classe médica já previa, a mortalidade e a morbilidade aumentaram muito com este confinamento, que se mantém inalterado praticamente há 4 meses. Não seria altura de voltar progressivamente à normalidade? Porque, pelo que se sabe do aumento de 26% da mortalidade em relação ao Verão passado, só uma pequeníssima parte é causada por Covid.
E fará sentido desperdiçar um profissional de saúde à porta de uma unidade, a desempenhar essa tarefa, quando existe escassez de recursos? Tarefa essa que é medir a febre e perguntar por sintomas! Poderão ser os seguranças, ou os auxiliares, a fazerem-na?
Existe enquadramento jurídico para esta situação?
Fazer agendamentos mais espaçados, quiçá aguardar a consulta no exterior e de máscara, pulverizar frequentemente as salas de espera e gabinetes com desinfectante, significará um maior risco de contágio do que um espectáculo do Bruno Nogueira?
2 A época vacinal da gripe sazonal está pensada para iniciar mais cedo, porventura a 1 de Setembro. Classicamente, juntam-se dezenas de idosos, logo no primeiro dia, à porta das unidades de saúde para serem vacinados.
Com todas estas restrições, não faria mais sentido estas vacinações serem realizadas numa unidade móvel, ou num pavilhão da autarquia, ou numa associação desportiva, para afastar estes idosos das unidades? Ao que se sabe, nada está ainda pensado.
3 Em qualquer caso suspeito de Covid, é pedido um teste e passada uma baixa de 14 dias, paga desde o primeiro dia a 60% (normas da DGS). Se, no próprio dia, a pessoa fizer o teste e estiver negativo poderá “usufruir” da baixa durante 14 dias! Paga desde o primeiro dia. Isto faz sentido?
No caso dos conviventes com um Covid confirmado, estes têm uma baixa especial passada pelo médico de saúde pública e paga a 100% desde o primeiro dia.
Portanto o doente Covid recebe uma baixa a 60%, os conviventes (saudáveis!) recebem-na a 100% e os que fizeram o teste porque tinham, ou disseram que tinham sintomas, podem usufruir dessa baixa durante 14 dias. E como se tem sabido, mesmo com a redução de 40% no ordenado, muitas pessoas aproveitam a falta de controlo das baixas para não irem trabalhar.
Por outro lado, quem está de baixa por outras razões, não tem sido alvo de nenhuma fiscalização por parte das juntas médicas. E uma vez que a questão da avaliação das baixas é algo muito polémico e melindroso, não será certamente prioridade das juntas médicas regressar a essas avaliações.
4 Se, até agora, alguns pais puderam ter os filhos em casa – por baixa de assistência, por teletrabalho, por falta de apoio dos avós, ou até por desemprego – em Setembro tudo se vai alterar. Os pais terão de voltar ao trânsito para os empregos e os resultados operacionais nas empresas terão de aparecer. Os desempregados irão tentar voltar ao mercado.
E as crianças? As crianças terão de voltar aos infantários, ou como já se tornou hábito dizer em tom de gozo, ao “infectário”. Em Setembro, ou o mais tardar em Novembro, as infecções respiratórias superiores irão aparecer: as amigdalites, as otites, as bronquiolites. Viroses essas, que passarão para os familiares num prazo de dias.
E os médicos, como devem actuar? Numa criança, ou numa família inteira a meio de Dezembro, com tosse, febre, dores no corpo, rinorreia anterior e posterior (secreções no nariz e na garganta), qual deverá ser o procedimento do médico? Como distinguir estas viroses da Covid?
Naturalmente, que não haverá disponível nenhuma zaragatoa mágica que consiga distinguir as duas situações. Primeiro, porque não virá a tempo de ter uma eficácia comprovada, depois, porque para as milhares de situações que ocorrem anualmente, o valor que o Estado pagaria seria incomportável.
A vacina para a Covid, como se sabe, é uma miragem. Como actuar?
Baixas de 14 dias para todos?
5 Outra questão que se porá, será no que toca à avaliação dos profissionais e ao número de consultas.
A partir do momento em que se abriu a possibilidade de se realizarem consultas por telefone, houve um aumento enorme destes actos. Também o número de emails de doentes a que, diariamente, um médico responde, ultrapassa as duas dezenas. Muitos destes emails implicam inscrições e registos no processo do doente. Mas estes actos, chamados de “indirectos”, não são contabilizados como consultas. E se, neste momento, existem menos consultas presenciais, a partir do momento em que se volte ao normal, quem se habituou a resolver os seus problemas por email, não vai querer ir à unidade de saúde. Sendo consensual que a teleconsulta é parte da medicina do futuro, os horários para estes actos terão, então, de ser alargados. E não nos podemos esquecer, que os idosos continuarão a querer a sua consulta presencial.
Se o hipertenso, diferenciado, que mede frequentemente a tensão em ambulatório, refere que a tensão está controlada segundo os limites que o médico definiu, para quê ir à consulta só para validar um indicador? Sim, tudo terá de ser repensado.
Em conclusão, ninguém terá respostas fundamentadas a estas questões. Mas não é com o fim dos debates quinzenais ou o término das reuniões da DGS que a solução será encontrada. Os debates trazem ideias, e as ideias são, mais do que nunca, bem-vindas!