Em 2003, quem diria? Dois Presidentes socialistas, e um deles francês, a enviarem aviões para bombardear o Iraque. Ainda se lembram? As manifestações nas ruas de Lisboa e de outras cidades europeias onde os dirigentes socialistas – em Portugal, aquela dupla magnifica, Ferro Rodrigues/Paulo Pedroso – marchavam de braços dados com os camaradas do Bloco de Esquerda contra a guerra na Iraque e a Cimeira dos Açores (agora, nem foi necessário fazer qualquer Cimeira). E recordam-se dos argumentos a defender o “direito internacional” e a “legalidade das decisões do Conselho de Segurança”. Onde está a Resolução a permitir os bombardeamentos da dupla, Obama-Hollande, que substituiu a velha amizade entre Bush e Blair? E as “marchas pela paz”?
Devo dizer – e não tenho nada de socialista – que apoio os bombardeamentos dos socialistas. E apoio desde logo por duas razões. Em primeiro lugar, espero que os socialistas tenham compreendido que o Conselho de Segurança não define a legalidade internacional. Como é evidente, o respeito pelo direito internacional não pode depender dos interesses das cinco potências com direito de veto. Muitos de nós tentámos explicar isto vezes sem conta aos críticos da guerra de 2003. Sem sucesso, diga-se. Talvez agora, que sentem a responsabilidade do poder, e não se limitam a gozar a liberdade da oposição – como na altura acontecia com Obama e Hollande – já entendam melhor a natureza das Nações Unidas e do Conselho de Segurança. Se assim for, eis uma evolução positiva de dois governos socialistas. Há poucas coisas mais cínicas do que atribuir a Pequim e a Moscovo o direito de definir a legalidade internacional, como fizeram muitos daqueles que se opuseram à guerra no Iraque em 2003.
Em segundo lugar, o reconhecimento de que por vezes o recurso à força militar é um instrumento necessário na política externa constitui igualmente uma evolução positiva. E sobretudo quando se combate movimentos que odeiam o Ocidente e estão dispostos a tudo para matar o maior número de pessoas como nós.
Os combatentes do ISIS, tal como aqueles que cometeram os ataques do 11 de Setembro de 2001, querem matar-nos. E muitos deles nasceram e viveram em cidades europeias. Como mostra um estudo recente de um instituto norueguês, a maioria dos islâmicos radicais alemães, belgas, britânicos, espanhóis, franceses, holandeses e italianos, está disposta a cometer ataques terroristas quando um dia regressarem aos “seus” países. E esta motivação explica, em grande medida, a decisão para fazer os ataques aéreos.
Tal como em 2003, é fundamental para a nossa segurança manter os terroristas ocupados em conflitos longe das nossas cidades. Nenhum governo o admite em público, mas esta é a principal razão das guerras no Afeganistão, no Iraque (em 2003 e agora) e também na Síria. Os nossos inimigos, aqueles que nos odeiam e que nos querem matar, devem estar ocupados em territórios bem longe dos nossos. Não é agradável, pois não? Não é. Mas ninguém escolhe o mundo em que vive ou em que governa. Perguntem ao Obama e ao Hollande.