Nem por acaso, é no grande escritor russo Tolstoi que se pensa imediatamente quando somos mais uma vez confrontados com o dilema entre guerra e paz, ou seja, que preço é preciso pagar para que a paz prevaleça no final da guerra? Neste caso, como parar o ditador russo Putin e fazê-lo pagar os danos já cometidos na Ucrânia? Como Napoleão pagou na Rússia de Tolstoi há mais de dois séculos. Seja como fôr, não é um texto como este que nos esclareceria… Segundo este outro «comunizante», todas as guerras seriam «ilegais» e, portanto, seja a Rússia ou a Ucrânia, seria a mesma coisa…

Não, não é! Há guerras defensivas como a da Ucrânia, tal como a da Inglaterra e dos Estados Unidos contra Hitler e muitas outras. A URSS só tarde e relutantemente rompeu em Junho de 1941 com o pacto que havia feito com a Alemanha dois anos antes. Até lá, segundo Stalin e a sua descendência, a guerra era «legal», como hoje o seria se os Estados Unidos e a União Europeia atacassem a Rússia em defesa da Ucrânia, se necessário recorrendo ao nuclear, conforme Putin ameaçou fazer desde o primeiro minuto. Isto chama-se simplesmente «chantagem» e esta só tem uma destas duas respostas: ceder ou não ceder? Esperemos que a invasão da Ucrânia não chegue lá!

Deixo pois o ponto de interrogação: vão os países democráticos ceder à chantagem do regime herdado da ditadura soviética, reciclada há mais de três décadas, e entregar os seus restos à côrte de um ex-agente do KGB – a polícia secreta russa, bem mais activa do que a nossa PIDE? Ora, é disto mesmo que se trata, como Teresa de Sousa mostrou exemplarmente, responsabilizando a Alemanha pelo seu compreensível «pacifismo» e pelo encerramento das centrais nucleares, mas sobretudo pelos generosos acordos da Sr.ª Merkel com Putin, os quais colocaram a Alemanha na dependência energética da Rússia. Felizmente, a primeira coisa feita pelo actual governo alemão foi acabar com isso!

À nossa escala, acabámos de perdeR muitos milhões para a Rússia enquanto economistas como Ricardo Cabral têm defendido a todo custo a anterior política económica clientelar e ruinosa da «geringonça», lamentando agora os riscos que Portugal poderá correr se embarcar, como será obrigado pela UE a fazê-lo, no castigo económico e financeiro radical a que a Rússia foi condenada até sair da Ucrânia.

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Ideólogos como ele, que se assumem ao mesmo tempo como nacionalistas e esquerdistas, tornam evidente a sua visão proteccionista bem como a relutância à participação na UE, aberta como esta não pode deixar de estar à globalização. Isto para não falar do lamentável debate em que o escritor Miguel Tiago, militante do PCP, se empenhou em discordar de algo que o presidente da República ucraniana, Volodymyr Zelensky, terá dito.

Em resumo, a propensão ideológica de certas camadas intelectuais para se assumirem como «esquerdistas», seja lá o que isto possa significar, faz com que o movimento social de apoio espontâneo à resistência ucraniana e ao banimento da Rússia e dos seus escassos aliados da nova cena política liberal que está a surgir em resposta ao ataque do regime russo contra a Ucrânia. A própria noção de «pacifismo», muito cara ao esquerdismo histórico mas muito ambígua politicamente, podem entrar em contradição com os comportamentos meramente defensivos que têm sido tomados até agora pela grande maioria dos países que se manifestaram em apoio à Ucrânia.

A linguagem deliberadamente ambígua e evasiva de alguns comentadores chega a ser desarmante, como acontece com a nóvel comentadora do «Público», Carmo Afonso. Com efeito, a autora preocupa-se em convencer-nos que a ameaça não viria da “esquerda”, coisa da qual ninguém se lembrara. Insiste em que «Putin não é de esquerda, nunca foi». Está enganada. Foi, sim: um dirigente bem conhecido do KGB e, segundo comentadores mais abalizados do que ela, continua a estar rodeado de antigos colegas do KGB muito mais relevantes para a presente situação do que os badalados «oligarcas».

O que é preciso reter é o seguinte: trate-se de um ataque limitado mas deliberado da Rússia contra a Ucrânia, que já fora destituída de partes substanciais do seu território; ou trate-se de uma advertência igualmente ameaçadora ao chamado mundo ocidental, é indiferente. O certo é que tal ataque, publicamente comunicado a potências nucleares como a China e a Índia, chegou aos ouvidos dos EUA, da Grã-Bretanha e da UE através de um anúncio inédito, segundo o qual a Rússia estava disposta a recorrer à «bomba atómica» caso a Ucrânia não lhe entregasse rapidamente os territórios pretendidos! Custa muito dizê-lo mas, perante tal ameaça, a única resposta – cuidadosamente evitada até agora pelos países ameaçados – só pode ser algo parecido já que tão alto é o preço da paz!