Vivemos um período conturbado e de grande incerteza, na Europa e no mundo. Em março, a inflação mostrou sinais de abrandamento devido à baixa dos preços da energia, mas mantém-se a pressão à subida dos preços. A inflação tem imposto perdas de poder de compra, com maior impacto nas famílias de rendimentos mais baixos. O aumento das taxas de juro reduz as possibilidades de consumo das famílias com crédito à habitação e as possibilidades de investimento das empresas. O descontentamento de uma parte significativa da população é visível nas manifestações e greves. De acordo com a sondagem do ICS-ISCTE para o jornal Expresso, 64% dos portugueses avalia o governo de António Costa como mau ou muito mau.

Neste contexto externo desfavorável e com políticas ziguezagueantes do governo, como se viu no IVA sobre produtos alimentares, que adicionam ainda mais incerteza à atual conjuntura, é possível vislumbrar sinais positivos na economia portuguesa? Penso que sim. Afinal, apesar do seu enorme peso, ainda há vida na economia para além do Estado. Eu sei que, visto de Lisboa, onde tudo anda à roda do Estado central, pode ser difícil imaginar a existência de vida económica para além do Estado. A economia é feita de centenas de milhares de empresas e de muitas organizações públicas e privadas que todos os dias trabalham para conseguirem melhores resultados. As empresas portuguesas estão muitas vezes em desvantagem face às suas concorrentes externas. É muito mais difícil investir, desenvolver ideias de negócios e exportá-las para o mundo num país como Portugal, que tem um Estado grande e ineficiente, cujo principal fito é sorver a riqueza gerada no país. Mas muitas empresas continuam a fazê-lo, com muito sucesso. Não podemos avaliar o estado da economia apenas pelas políticas do governo. A confusão entre o desempenho do governo e o desempenho da economia é mais um reflexo do país hipercentralizado em que vivemos.

O comportamento da economia no século XXI foi dececionante. Mas ao longo deste século, marcado por muitas e severas crises, houve períodos muito diversos. Apesar da forte perturbação causada pela pandemia Covid-19 e da invasão russa da Ucrânia, é possível identificar algumas mudanças importantes ao longo da última década. A meu ver, a mais importante foi o aumento do peso das exportações no PIB. Entre 2010 e 2022, o peso das exportações no PIB aumentou de 30% para 50%. As exportações de bens aumentaram de 21% para 32% e as exportações de serviços aumentaram de 10% para 19% do PIB. Em 2022, as ‘Viagens e turismo’ representaram 18% das exportações totais. O turismo é muito importante para a economia portuguesa, mas há muita economia para além do turismo. Nunca é demais salientar que o aumento das exportações não se deve apenas ao turismo.

O aumento do peso das exportações no PIB é a mais importante transformação estrutural da economia portuguesa da última década. Esta transformação é essencial para diminuir a importância do consumo para o crescimento económico e libertar a economia do peso da despesa pública. O aumento do peso das exportações no PIB é uma condição necessária para o crescimento da economia portuguesa no longo prazo.

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Nos últimos dias foram publicados os dados do crescimento do PIB. Os dados para o PIB per capita em paridade de poder de compra mostram que o excelente desempenho em termos de crescimento económico em 2022, com um crescimento real do PIB de 6,7%, permitiu a convergência para 77% do PIB per capita da UE (75% em 2021). No entanto, os dados também mostram que Portugal foi apanhado pela Roménia, estando agora na 21ª posição ex aequo – ver Figura.

Os dados do crescimento do PIB podem assim ter uma leitura dupla. Por um lado, a economia portuguesa cresceu e convergiu. Por outro lado, estamos cada vez mais próximos da cauda da Europa. Estarmos mais próximos da cauda da Europa deve preocupar-nos porque reflete uma perda de competitividade em relação aos nossos parceiros europeus. Essa perda de competitividade poderá desviar investimentos e capital humano para outros países e afastar-nos cada vez mais do pelotão da frente. A dinâmica muito positiva das exportações na última década, e também na atração de investimento direto estrangeiro, tem de ser aproveitada e acelerada para que Portugal volte a convergir com a UE de forma consistente. Nos últimos anos, esta dinâmica tem acontecido apesar do descuido do governo em relação às condições de competitividade da economia portuguesa. Há vida na economia para além do Estado. Mas poderia haver ainda mais e melhor economia se o governo se concentrasse na criação de um ambiente mais favorável ao crescimento das empresas.

PS: Nas próximas duas semanas estarei ausente. Regresso dia 24 de abril.