1 Vamos começar pelo lado positivo. A julgar pelo que foi antecipado pelo Expresso, o Conselho de Ministros do próximo dia 16 de fevereiro pode vir a discutir ideias interessantes para atacar o problema da habitação nos principais centros urbanos, atuando de forma equilibrada do lado da oferta (o principal problema, como defendi aqui) e do lado da procura.

São disso exemplo um conjunto diversificado de incentivos fiscais:

  • para o setor privado da construção avance para a construção ou reabilitação de fogos que aumentar a oferta pública do arrendamento acessível;
  • para os proprietários que têm imóveis em alojamento local ou até mesmo devolutas, optem pelo mercado de arrendamento. Com uma tónica importante: “reforçar a segurança dos proprietários”, a citação é de uma fonte do Expresso

Há igualmente abertura para uma nova política de solos que permita a transformação de edifícios afetos a comércio e a serviços em imóveis destinados a habitação. Como o Governo também parece estar disponível para cumprir alguns das reclamações do setor da construção (com quem se vai encontrar antes do Conselho de Ministros de 16 de fevereiro) para novos mecanismos que permitam desburocratizar os processos de licenciamento de construção ou reabilitação de habitação e promover uma política de redução de custos fiscais.

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O princípio está correto: ao contrário do Bloco de Esquerda e do PCP, o PS vê os proprietários e o setor da construção como aliados, e não como inimigos.

2 Obviamente que devemos ter todos uma política de “esperar para ver”, atendendo ao histórico do Governo de António Costa – mais especialista em anúncios, do que em resultados concretos. Muito mais se olharmos com toda a atenção para os resultados já alcançados em termos de políticas de habitação desde que Costa tomou posse como primeiro-ministro em 2015.

E não só os resultados são confrangedores, como a noção de meritocracia do primeiro-ministro é verdadeiramente extraordinária.

Ora vejamos os principais resultados em termos de política de habitação, segundos os objetivos do próprio Governo:

  • O programa 1.º Direito tem o objetivo de apoiar famílias carenciadas sem capacidade económica para pagar um arrendamento. Foram identificadas 53 mil famílias. Qual o resultado alcançado até janeiro de 2023? Apenas 263 famílias foram apoiadas. Ou seja, uma taxa de execução de cerca de 0,4%
  • O programa Arrendamento Acessível destina-se a qualquer pessoa que necessite de apoio público para arrendar uma casa, desde que “o seu rendimento total seja inferior a um valor máximo definido pelo programa”, segundo o Portal da Habitação. O Governo queria atingir 20% de todos os contratos de arrendamento até 2026. Em dezembro de 2022, apenas tinham sido apoiados 0,4% da totalidade do mercado de arrendamento. Ou seja, apenas 950 do total de 252.449 contratos, segundo o Público.

Pior: a habitação representa uma importante fatia do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). São mais de 2.733 milhões de euros que fazem com que a habitação seja a segunda componente com maior financiamento do PRR português, só ultrapassado pela componente de Capitalização e Inovação Empresarial.

3 O problema é, uma vez mais, a baixíssima taxa de execução desses fundos europeus destinados à habitação: apenas cerca de 50 de milhões de euros, o que representa cerca de 3% foram executados.

Ou seja, e de acordo com um trabalho do Expresso, dos 1,8 mil milhões de euros que deverão financiar a construção e a reabilitação de 26 mil fogos para habitação social e mais cinco mil fogos para rendas acessíveis, só uma pequeníssima parte foi executada.

O pior de tudo é que esses objetivos são para serem cumpridos até 2026, com objetivos intercalares pelo meio. Por exemplo, é suposto a disponibilização de 3.000 fogos em habitação social até setembro de 2023. Mas o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) apenas executou cerca de 4% dos fundos previstos.

E, apesar do Ministério da Habitação teimar em não alterar a programação, é óbvio que nem os objetivos intercalares, nem os finais serão alguma vez cumpridos. Pelo contrário: vão falhar clamorosamente.

Aliás, basta ler o trabalho da jornalista Joana Nunes Mateus para perceber o ponto da situação catastrófico que os promotores privados fazem das políticas do (IHRU). Que, aliás, já tinha sido constatado por Victor Reis, ex-presidente daquele instituto, como se pode ler aqui e aqui.

4 Aqui chegados há duas perguntas que se devem colocar. A primeira de todas é bastante simples: se Marina Gonçalves é alegadamente a grande responsável pelas políticas de habitação do Governo como foi possível a sua promoção a ministra da Habitação com estes resultados tão medíocres?

Bem podemos argumentar, como atenuante, que Marina Gonçalves apenas tomou posse como secretária de Estado da Habitação em setembro de 2020, sendo certo que a pasta da Habitação (que já tinha existido de forma autónoma em executivos anteriores, sempre associada aos ministérios das Obras Públicas) apenas foi autonomizada por António Costa em julho de 2017.

Também podemos compreender que o primeiro-ministro tenha preferido apostar em alguém que teve um papel importante nos desenhos e nas estratégias seguidas, baseadas em acordos com mais de 200 autarquias, em vez de apostar em alguém novo.

Certo é que, não só vem ao de cima a dificuldade que António Costa tem em contratar alguém novo fora do círculo do PS, como não podemos negar que os resultados são mesmo maus e colocam em causa a crediblidade dos programas públicos para a área da habitação.

Como podemos acreditar no Governo com taxas de execução miseráveis que variam entre os 0,3% e os 3,3%? E como podemos dar credibilidade a uma ministra que praticamente não tem experiência profissional? Tirou um mestrado em Direito Administrativo em 2013, fez um estágio como advogada e em 2015 já estava a trabalhar para o PS como assessora do Grupo Parlamentar socialista.

5 Tudo isto quando uma das melhores soluções que o Estado tem em mãos também continua praticamente no zero. Refiro-me ao inventário de todo o património do Estado, cujo decreto-lei foi publicado quando Marina Gonçalves iniciou funções.

O Estado é o maior proprietário de todos os que existem em Portugal, sendo que a disponibilização de milhares de imóveis públicos para o mercado de arrendamento e de construção de habitação poderia ter um importante efeito nos preços e no mercado em geral.

O problema é que o Estado não sabe quantos edifícios tem (um problema que se arrasta há muitos anos), além de vender com regularidade imóveis classificados para grandes projetos imobiliários ligados ao turismo por razões financeiras.

Certo é, uma vez mais, também não há resultados para mostrar. Segundo o Público, os dados de 2021 (os últimos disponíveis), revelam que apenas foram identificados cerca de 1.000 imóveis, sendo que 645 estavam devolutos.

6 Estes problemas de credibilidade podem ser ultrapassados com resultados, sendo que o cumprimento dos objetivos delineados pelo próprio Governo são a melhor forma de ganhar crédito.

E isso leva-nos à segunda pergunta: que passo de magia vai ter António Costa no próximo dia 16 de fevereiro para acelerar de forma brutal a execução dos programas públicos da habitação?

Só há uma solução — e aqui voltamos ao início do texto — baseada nos seguintes eixos:

  • uma aliança estratégica com setor privado da construção e da reabilitaçao urbana;
  • uma desburocratização generalizada dos procedimentos de aprovação de projetos de investimento nas suas mais diversas formas: licenciamento urbanístico, candidaturas de promotores e de famílias, etc.;
  • isenções fiscais que atraiam promotores para a construção e reabilitação e os proprietários para o mercado de arrendamento.

Se esses eixos se concretizarem, mais depressa os resultados aparecerão. E não deixará de ser irónico que uma governante que é vista como sendo da ala esquerda do PS, e uma pedronunista indefectível, possa vir a ser ‘salva’ politicamente por uma aliança entre o Governo e o mercado.

Se a opção for a mera continuidade do que foi feito até aqui — praticamente nada —, a política de habitação juntar-se-á à TAP como dois dos maiores logros dos governos de António Costa.