António Costa. Um príncipe da política, um imperador da pandemia. Além da competência, do amor à verdade e da empatia face ao cidadão comum, esta boa alma conduziu-nos pela tormenta com a leveza de um anjo. Quem não se sentir agradecido, não merece ser português. Quem se sentir, merece.
Álcool-gel. Desinfecte as mãos de 4 em 4 minutos. “As Mãos Sujas”, de Sartre, relata o drama de um sujeito que não o fez e desatou a contaminar os vizinhos.
Austeridade. Conforme prometido, não haverá austeridade. No máximo, há fome, um capricho amaricado e destinado a promover a dra. Jonet da “caridadezinha”.
Autoridades. A palavra inclui governantes, autarcas, técnicos, polícias e articulistas do “Público”. Todos são excelentes, todos contribuíram para o milagre português, que consiste em aumentar o número de infectados numa fase em que a Europa já quase erradicou o bicho – o que deixa o bicho confundido. A miséria e a humilhação são uma factura razoável por tão magnífico trabalho. Agradeça-lhes, de mão no peito, sempre que os vir.
Casa. A RTP, pelo menos, continua a pendurar a “hashtag” #fiqueemcasa no cantinho do ecrã. O governo manda-nos sair de casa. A DGS tem dias. O meu vizinho dorme na sala do condomínio. Obedeça a todos.
Crianças. Não as tenha. Se já as teve, desenrasque-se.
Cultura. Antigamente, a cultura no sentido lato terminava nos habitantes da polinésia que davam cabeçadas em rochedos com propósitos de acasalamento. Agora o conceito alargou-se a qualquer desvairado que guinche umas cançonetas. Grave é que a cultura sofre com a crise e nós sofremos com a cultura. Felizmente, o governo vai ajudar a cultura, em nome dele e com o nosso dinheiro.
DGS. Ao longo de toda a epidemia, a DGS mostrou ser exactamente o que se esperava de uma organização de burocratas instruídos nas fileiras do socialismo: um espectáculo. Já a senhora que dá a cara e os palpites por aquilo é um espectáculo dentro do espectáculo. O fundamental é respeitarmos as recomendações que dali vêm, mesmo, ou sobretudo, se estas são absurdas, prepotentes, divertidas ou contraditórias entre si. Em qualquer das hipóteses, são sempre para o nosso bem.
Espectáculos. Todos proibidos excepto os protagonizados por comunistas ou, desculpem a redundância, artistas cómicos.
Etiqueta respiratória. A “nova normalidade” implica novos conceitos, que dão aos que os utilizam sem se rir a ideia de que estão a par dos tempos.
Jornalismo. Ontem, dia 29, o secretário de Estado da Saúde fez questão de agradecer “aos senhores jornalistas pelo papel que têm desempenhado”. Não vale a pena comentar: o papel que vão receber justifica o papel que desempenham.
Marcelo Rebelo de Sousa. Passou os primeiros tempos da epidemia a lavar calções em casa, passa os últimos a passeá-los na rua. Pelo meio, disse umas coisas sobre a mola. Um senhor.
Máscaras. Obrigatórias em espaços fechados, à chave ou com o trinco. Também ficam impecáveis quando se conduz sozinho ou se passeia nos cumes do Parque Natural do Montesinho. Davam uma falsa sensação de segurança até começarem a dar uma verdadeira sensação de segurança. O seu uso mostra obediência às regras e, de brinde, permite que uma pessoa respire o seu próprio ar, e não o ar que anda por aí à solta sabe-se lá em que condições.
Praias. Um pequeno grupo de estudiosos calculou a lotação ideal para cada praia nacional. Um grupo maior de contribuintes paga o justo esforço dos estudiosos. O manual da DGS, com meras 34 páginas, oferece ao banhista tudo o que este precisa saber acerca dos comportamentos a adoptar. Basta respeitar semáforos, “sinalética”, orientações de circulação, trigonometria do toalhão e, principalmente, obedecer à directiva de não se deitar em cima de desconhecidos. Se o cidadão for presidente da República, arranja um “esquema” e contorna os regulamentos com facilidade. Se o cidadão for irresponsável, arranja um voo e vai espraiar-se em lugares desprovidos de instruções.
Projecções. Incontáveis gráficos foram criados por incontáveis génios a descrever, por prestidigitação ou vidência, a evolução da epidemia. A coisa só falhou enquanto os génios não perceberam que o segredo estava em ajustar as previsões aos factos. A partir daí, não houve engano possível. É fácil, por exemplo, saber quantos casos haverá no dia 5 desde que se faça a previsão no dia 6.
Restaurantes. Apenas frequentáveis em conjunto por membros do mesmo agregado familiar, o que limita o grupo de comensais a umas quatro pessoas – ou 57, se integrarem a “comunidade cigana”. Leve comprovativos de parentesco e residência. E leve máscara, claro, opcional no momento de enfiar a comida na boca.
Segunda vaga. Inúmeros especialistas, que disseram tudo e o seu contrário sobre a primeira vaga do vírus, receiam particularmente a segunda. Eu confesso-me apreensivo com a quinta, a sétima e a décima oitava. À cautela, fuja dos picos e das curvas chatas e proteja-se até 2067.
SNS. Graças ao PS e ao dr. Arnaut, é o melhor serviço de saúde do mundo. Não fora a escassez de material básico, a mais baixa “ratio” de unidades de cuidados intensivos da Europa (incluindo Bulgária, Roménia e quiçá Albânia) e a necessidade de matar poucos milhares de pacientes com outras doenças de modo a abrir alas para a Covid, o SNS roçaria a perfeição. Certo é que, fora os sofredores de maleitas oncológicas, cardiovasculares, respiratórias, hepáticas, renais e etc., hoje não há ninguém que admita recorrer aos hospitais privados, de resto a nacionalizar com urgência. Se se sentir mal, não vá ao “público”, mas louve-o com o fervor de uma, ou duas, Catarina Martins.
Trump. Uma anedota de homem, que matou com as próprias mãos cem mil americanos. Permite que a rapaziada das nossas televisões se convença de que faz jornalismo e mordisca o poder. O poder de lá, obviamente.