E aqueles sujeitos que atribuíam a origem da epidemia a uma “fuga” do SARS-CoV-2 a partir do tal laboratório em Wuhan, China? Que grandes chalupas! Três anos depois, o Departamento de Energia dos EUA e o FBI consideram, com razoável convicção, que a epidemia começou com uma “fuga” a partir do tal laboratório em Wuhan, China.

E aqueles sujeitos que duvidavam da utilidade das máscaras na prevenção do contágio, quer dos próprios quer dos outros? Que negacionistas ridículos! Três anos depois, os estudos mais recentes, rigorosos e escrutinados (pela Cochrane, a incensada plataforma de “reviews” – e parceira da OMS, vejam lá) sugerem que as máscaras não tiveram nem têm qualquer utilidade na prevenção do contágio, quer dos próprios quer dos outros.

E aqueles sujeitos que protestavam os confinamentos, sob o argumento de que os mesmos implicavam prejuízos evidentes e benefícios discutíveis? Que terraplanistas sem vergonha! Três anos depois, são abundantes as análises que, com meras diferenças de grau, constatam que os confinamentos implicam prejuízos evidentes e benefícios discutíveis.

E aqueles sujeitos que desvalorizavam o efeito das vacinas para a Covid na propagação da doença e questionavam a imposição dos respectivos certificados? Que bando de trogloditas! Três anos depois, é praticamente consensual que as vacinas não impedem o contágio e que, portanto, a imposição dos respectivos certificados nunca foi menos que um insulto à inteligência e à liberdade.

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E aqueles sujeitos que lembravam o papel da imunidade natural na protecção contra infecção e doença grave? Cambada de selvagens! Três anos depois, é genericamente aceite que a imunidade natural desempenha um papel na protecção contra infecção e doença grave, um papel que, por acaso e segundo artigo publicado em Novembro passado na The Lancet, é mais determinante que o das vacinas.

E já nem falo nos sujeitos, sempre os mesmos, que se riam ou se irritavam ou se afligiam perante os “quinze dias para achatar a curva”, o encerramento de praias e jardins públicos, a vedação de prateleiras com livros ou brinquedos, a eficácia das aulas on-line, a proibição de atravessar concelhos ou de vender álcool após as oito da noite, a derrocada da economia, a impressão de dinheiro barato para financiar o ragabofe, a suspensão ou a supressão de consultas, diagnósticos, tratamentos e cirurgias a propósito de maleitas fora de moda. Raio de conspiracionistas! Três anos depois, sabe-se que as proezas acima descritas oscilaram entre o paródico e o homicida, sem esquecer o apenas sórdido.

É extraordinário que seres primitivos tenham acertado à primeira e multidões de esclarecidos que “seguiam a ciência” tenham falhado sempre – e alguns persistam em falhar até hoje. Talvez tenha sido porque não seguiam “ciência” nenhuma, e sim as entidades oficiais e oficiosas que afinavam com os políticos as medidas a aplicar de acordo com o que fosse mais vantajoso para elas, entidades, e para eles, políticos. No caldo cabiam ainda “especialistas” sortidos, na verdade indivíduos pouco escrupulosos encarregues de pregar o evangelho em vigor. O evangelho, conforme lhe compete, difunde dogmas e exige fé, que não costumam ser os ingredientes do avanço científico.

Não é exactamente uma surpresa, mas a recente revelação, a cargo do Telegraph londrino, de milhares de mensagens trocadas entre governantes, peritos e “peritos” exibe com brutal franqueza o desnorte e a prepotência envolvidos. Pelos vistos ao contrário da engenharia social, raramente a ciência se manifesta através do WhatsApp. Dito de maneira diferente, as multidões de esclarecidos caíram num logro.

Muitos gostaram de cair. O estado de sítio e a subversão dos valores bateram certinho com a aptidão humana para, mediante a denúncia do semelhante, ascender à virtude própria. Incontáveis criaturas, dotadas da erudição da lampreia média, sentiam-se de repente inundadas de sapiência só por chamarem ignorante a um transeunte com rosto descoberto. A História ensina: nenhum gozo supera o da humilhação do próximo, sobretudo se o exercício se amparar no poder do número e no poder, ponto.

Mas muitos ficaram de facto apavorados com a súbita ideia da mortalidade, que aparentemente jamais lhes ocorrera antes de Março de 2020. E muitos foram propensos à noção de obediência cega e opressão paternal. E muitos limitaram-se a apreciar a perspectiva de ficar em casa a receber o salário por troca com o consumo de séries em “streaming”. E muitos calaram-se para não arranjar chatices.

Três anos depois, económica ou clinicamente, todos, “negacionistas” e iluminados, estão a pagar a factura. Ou quase todos. Os principais responsáveis, que não sofreram as restrições e os vexames a que forçaram a ralé, não pagam nada. Em Portugal e lá fora, essa casta de intrujões avessos à democracia e à vergonha continua em lugares de mando e de influência. E, por definição, continua à solta. Dessa repulsiva gente não veio e não virá um pedido de desculpas, uma confissão de erro, a garantia de que a loucura destes três anos não se repetirá sob qualquer pretexto. Pior: agora, essa gente aprendeu que a loucura é fácil de instalar e que será facílima de repetir.

Pode-se olhar o “vírus chinês” no sentido estrito ou lato, como uma ameaça ou como um teste. Três anos depois, a ameaça passou. No teste reprovámos.