Rui Rio disse que estava disponível para ajudar o PS a libertar-se da extrema esquerda. Ajudou, talvez não como calculava, mas contribuindo para a maioria absoluta dos socialistas. Depois de ter ajudado o PS, reconheceu, na conferência de imprensa mais surreal da história da democracia portuguesa, que já não vê como pode ajudar o PSD. O mais espantoso de tudo é que Rio não consegue simplesmente afirmar que falhou e que se demite. Podia aprender com o exemplo de Francisco Rodrigues dos Santos, que se demitiu da liderança do CDS.
Sou daqueles que estou zangado com Rui Rio. Critiquei a estratégia de liderança de Rio desde que chegou a líder do PSD. Mas chegando o momento das eleições, contra os socialistas, manifestei o meu apoio ao PSD e a Rio. Faço parte daquela direita que, apesar da indiferença com que Rio nos tratou, quis a vitória do PSD. E apesar da maioria dos votos no PSD terem vindo desse eleitorado, Rio ainda teve a desfaçatez de culpar a direita pela derrota e pela maioria absoluta do PS. Um líder que desde 2017, nas eleições internas contra Santana Lopes, afirmou que pertence ao “centro esquerda”, andou 5 anos a dizer que as eleições se ganham ao centro, decidiu nunca fazer uma oposição clara aos governos socialistas, tem o supremo descaramento de culpar o eleitorado de direita pela sua derrota no dia 31. Em que mundo vive Rui Rio?
Não sei qual é o mundo onde habita Rui Rio. Mas vejo muito bem a herança que ele deixou ao PSD e à direita. Deixou um PS com maioria absoluta, depois de seis anos de governo. Deixou um PSD muito enfraquecido, com uma bancada parlamentar reduzida, e quase inexistente a sul do Tejo, e com o pior resultado eleitoral da sua história. Pela primeira vez, o PSD não ganhou ao PS um único distrito de Portugal continental. Deixou ainda uma direita fragmentada e dividida, com dois partidos novos em crescimento. E, por fim, contribuiu para o desaparecimento parlamentar do CDS. Uma aliança pré-eleitoral com os democratas cristãos teria evitado a maioria absoluta do PS e teria mantido um aliado tradicional do PSD no Parlamento. Assim desapareceu um partido à direita que foi sempre parte de uma solução para o PSD, e apareceram dois partidos novos que querem concorrer com os sociais democratas. Rui Rio foi o pior líder da história do PSD. Não sou eu que o digo. São os resultados eleitorais, com duas votações seguidas com menos de 30%.
Mas a culpa não foi só de Rui Rio. Foi também do PSD e da maioria dos seus militantes. Há uma virtude de Rui Rio que devemos reconhecer: nunca enganou os militantes do PSD, dizendo sempre que o partido não era de direita e que as eleições se ganham ao centro. Por três vezes concorreu à liderança do PSD com este discurso, e por três vezes ganhou. Os militantes do PSD mereceram o que aconteceu ao partido no dia 31 de Janeiro.
Olhem para o PS de António Costa. Os socialistas mostraram que ganham à esquerda, não ganham ao centro. Desde 2015, o PS nunca esteve tanto à esquerda. Isso não o impediu de vencer com maioria absoluta, conquistando os votos necessários ao centro. Estas eleições mostraram uma coisa tão óbvia. O PS triunfou indo da esquerda para o centro. O PSD fracassou tentando ir do centro para a direita. Esperemos que os militantes do PSD tenham aprendido de vez a lição.
Se o PSD não aprendeu a lição, nunca mais voltará a ser um grande partido. Como se viu no dia 31 de Janeiro, num sistema político polarizado pela viragem à esquerda do PS, a margem de crescimento ao centro é muito reduzida. O PSD só pode crescer para a direita. Só voltará a ser grande e a aspirar a formar governo se for capaz de federar as várias direitas. Houve sempre um parodoxo em Rui Rio: rejeitou a direita assumindo uma identidade ideológica muito restrita, uma social democracia completamente ao centro. Um grande partido de direita que engloba várias tendências e famílias, tem que ser flexível ideologicamente, flexibilidade que escapa em absoluto ao modo como Rio faz política.
Nos meses de reflexão que terão pela frente, os militantes sociais democratas terão que pensar muito bem no partido a que querem pertencer, nos eleitores que querem conquistar, e se querem voltar a ser um grande partido, ou apenas um potencial pequeno aliado dos socialistas quando eles se cansam da extrema esquerda ou quando não conseguem uma maioria absoluta.
Chegou o momento histórico em que o PSD deixou de poder dar como adquiridos os votos das direitas. Rui Rio mostrou que há um limite para a humilhação de votar num partido que está afastado de muitos dos seus eleitores. Perder com os nossos é muito diferente do que perder com quem nos rejeita. E, a partir de agora, os eleitores de direita têm alternativas que não se envergonham das suas identidades ideológicas. O PSD tem que decidir se quer recuperar esses eleitores. Ou se pelo contrário vai continuar a perder o eleitorado que dava como adquirido. A partir de agora, a questão já não é se o PSD é de direita ou não. Agora, o PSD só volta a crescer se se assumir de direita. O centro foi ocupado pelo PS, a partir da esquerda. Graças a Rui Rio.