Sem maiorias absolutas de um só partido, o mundo político no dia 31 de Janeiro será muito diferente do que o actual. Devemos estar preparados para o inesperado. Vamos imaginar que a soma de deputados do PS e da IL resulta numa maioria absoluta de deputados. Nesse caso, será possível uma coligação parlamentar entre os dois partidos que permita ao PS governar com alguma estabilidade, fazendo algumas concessões à IL?

Por agora, a IL diz que não faz acordos com o PS, mas desconfio que Costa tentará, se os dois partidos tiverem maioria absoluta. Para se perceber o provável assédio de Costa, é necessário entender o contexto político europeu. O PM gostava de governar até 2024, e depois ocupar um cargo europeu. Teria que ser a presidência da Comissão Europeia ou do Conselho Europeu, sendo o último o mais provável. Mas, seja qual for o cargo europeu, Costa já percebeu que emergiu na União Europeia uma coligação entre socialistas e liberais. Começou na Alemanha, com a inclusão do partido liberal (o FDP) na coligação de governo liderada pelo SPD (os socialistas alemães). Essa coligação será reforçada no plano europeu se Macron for reeleito Presidente francês na Primavera. A dupla que liderará a UE será composta por um socialista, Olaf Scholz (Chanceler alemão), e por um liberal, Macron, Presidente francês.

Isto significa que as ambições europeias de Costa exigem que ele seja visto como um rosto a representar a coligação entre socialistas e liberais. Para que isso aconteça, sobretudo depois da deriva radical da geringonça, nada melhor do que governar com o apoio dos liberais portugueses. Tornou-se um hábito dizer que o cenário preferido de Costa (obviamente, sem maioria absoluta) seria uma coligação com o PAN e com o Livre. Mas isso só traz estabilidade governativa, não ajuda Costa para o seu futuro político. Uma coligação com a IL seria muito mais importante para o futuro de Costa. Se a aritmética eleitoral permitir, essa seria a solução preferida de Costa.

E a IL, vai resistir ao assédio de Costa? Para mim, não é absolutamente claro. Em primeiro lugar, recordando as leis permanentes da natureza humana, nunca é fácil resistir ao assédio e à atração do poder. Depois, a IL poderia evocar bons argumentos para justificar um apoio parlamentar a um governo socialista. É óbvio que que Costa daria alguma coisa de importante à IL, por exemplo, o reforço das parcerias público-privadas na saúde, e/ou a privatização total da TAP, e/ou a descida do IRC, eventualmente até uma experiências piloto com o cheque educação. Para Costa, que nunca se destacou por uma coerência ideológica vincada, umas reformas liberais valem um alto cargo europeu. A IL poderia ainda apontar o exemplo dos liberais alemães, e dizer que um acordo com o PS impediria uma nova coligação com a extrema esquerda. O interesse do país é sempre um bom argumento.

Apesar dos bons argumentos para justificar um acordo com o PS, convém que a IL pense muito bem antes de se tornar uma muleta do PS. Desde logo, porque em bom rigor, não seria uma muleta do PS, mas de António Costa. A IL seria o instrumento usado por Costa para poder viajar para Bruxelas como um rosto da aliança entre socialistas e liberais. Saindo Costa, o PS voltaria a ser um partido socialista radical. Ou seja, o apoio da IL a um governo de Costa serviria as ambições políticas do PM, sem mudar em nada o PS e, seguramente, sem reformar Portugal. A IL terá que saber distinguir o interesse politico do PM português do interesse nacional.

Pior do que tudo, um acordo com o PS seria uma traição a muito eleitorado que votará na IL porque quer uma alternativa ao socialismo. Isso significa tirar o PS do poder. Não passa por acordos de governo com o PS, acreditando que se impõe umas quantas reformas a um governo socialista. Em vez de pensar no exemplo alemão, é mais adequado para a IL olhar para o que aconteceu aos Cidadanos quando resolverem ajudar o PSOE em Espanha.

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