O Estado de Israel, o Estado laico de David Ben-Gurion nasceu com um propósito: dar guarida e proteger os judeus, de modo a que não mais dependessem da boa vontade de terceiros. A ideia tinha anos e decorreu da vida infernal que a grande maioria dos judeus levou em vários países e que muitos até consideravam como sendo a sua pátria. Mas também do surgimento, no decorrer do século XIX, do nacionalismo e da ideia que cada povo devia ter um Estado. Esta última tendência percorreu a Europa, nomeadamente a de leste, e levou ao surgimento da Grécia, da Bulgária, da Roménia e por aí em diante, num processo que decorreu até à paz de Versalhes, na qual vários Estados foram constituídos.

Contrariamente a estes povos, os judeus não tinham um lugar, mas vários. Inicialmente, para a sua nova terra pensou-se na zona do actual Uganda, até mesmo em Angola, mas com o Holocausto o local onde hoje se encontra Israel tornou-se incontornável. Nesse espaço os judeus tinham a possibilidade de construir um lugar onde seriam tratados como iguais e um Estado que os protegeria de qualquer ameaça. Além disso, era no Levante, mais precisamente no local dos antigos reinos de Israel e de Judá. A terra prometida deixou de ser divina, para passar a terrena, concreta e laica. A cultura militar derivou dessa necessidade, manifestada logo na primeira hora, que era a de lutar até ao fim por algo que lhes fora negado desde sempre: um tratamento digno. Esse objectivo essencial foi alcançado e Israel chegou a acolher cidadãos israelitas não judeus, como druzos, cristãos e até árabes. O Estado é judeu, mas a democracia laica. O tema tem dado pano para mangas, mas foram os judeus laicos que conseguiram um Estado alicerçado na história, cultura e religião judaica que não fosse um Estado religioso.

Vem isto a propósito porque quando se fala no conflito Israelo-árabe raramente se menciona a natureza do Estado judeu. Por que razão existe e com que fito. Percebê-lo é indispensável para que se fale de paz. Podemos acalentar mil e um sonhos de paz e prosperidade para a região (e eu sou um dos muitos que gostaria de ver Israel lado a lado com um Estado Palestiniano), mas qualquer acordo que coloque em causa a segurança dos israelitas está condenado à partida. Não por má vontade, mas por ser impossível levá-lo por diante. Ninguém deixa de combater quando o preço da paz é a morte. O Estado de Israel não vai entregar a defesa dos seus cidadãos a nenhum outro Estado, menos ainda a promessas vãs de governos cujos povos nunca sentiram na pele o que é serem constantemente perseguidos. Essa ingenuidade ditou um triste fim a milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial e não se vai repetir, mesmo que o argumento “daquela não ser a terra do judeus” ser ter voltado a ouvir na última semana.

Israel está em condições para fazer acordos de paz desde que a sua existência e a segurança dos seus cidadãos fique garantida. Ora, quem é que põe em causa a existência de Israel? Serão os palestinianos, as pessoas comuns que desejam uma vida normal com as suas famílias, um trabalho que lhes ponha comida na mesa, uma casa em condições, os filhos na escola e acesso a cuidados de saúde? Claro que não. São os governos árabes que nunca reconheceram o direito de Israel à existência e que, desde o início, boicotaram qualquer colaboração com Israel. Tal como são as organizações terroristas que capturaram as populações das áreas por si controladas (Gaza e Líbano) e de onde as não deixam sair.

A paz só é possível quando todos os países árabes reconhecerem o Estado de Israel e as organizações terroristas forem derrotadas e desmantelas. Para este último passo a colaboração desses mesmos países árabes é essencial, pois só estes podem descredibilizar e deixar de dar apoio e guarida aos terroristas. Por alguma razão, os acordos com o Egipto em 1979, com a Jordânia em 1994, com o Bahrein e os Emirados Árabes Unidos em 2020, e o que se prepara com a Arábia Saudita são tão importantes. Por algum motivo recebem a pronta oposição dos extremistas que só param de lutar quando Israel deixar de existir. Entretanto, e sem estes compromissos, não há muita volta a dar e não vale a pena tecer grandes conjecturas sobre mundos ideais que apenas servem, na melhor das hipóteses, para mostrar a virtude dos seus apologistas. É fácil sermos pessoas extremamente humanas e correctas com o sacrifício dos outros mas, fora o sentimento de superioridade  moral face aos demais, não leva a lado nenhum.

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