Não fiquei surpreendido com a vitória olímpica de Iuri Leitão e Rui Oliveira. Se há desporto que se identifica na perfeição com o espírito nacional é este: prova Madison do ciclismo de pista. Encaixa como uma luva na personalidade do povo português. Da mesma forma que a ginga e a malandrice dos brasileiros os torna ideais para o futebol; ou que o talento dos chineses para a cópia é essencial para dominarem as provas de mergulho sincronizado; ou que a vontade de fugir ajuda os cubanos a serem os melhores em saltos; também a nossa realidade política, com a escolha alternada de dois partidos, em que às vezes um está com pressa, às vezes é o outro, e em que apesar de curvarem ligeiramente à esquerda, acabam sempre no mesmo lugar, torna esta a prova natural dos portugueses.

À primeira vista é contraintuitivo. A corrida decorre num velódromo saído de um filme de ficção científica, tem bicicletas que parecem naves e atletas com capacetes de astronautas que estão mais para Neil do que para Lance. Só que, no fim, tiram os óculos espelhados e em vez do solene “um pequeno passo para o homem, um salto gigante para a humanidade”, abrem a boca e sai um nortenho “foda-se, carago!”

Agora, não é uma modalidade politicamente correta. Nuns Jogos Olímpicos que se querem inclusivos, em que houve um esforço igualitário para esbater as diferenças entre homens e mulheres, é uma pena dar-se tanto destaque ao ciclismo de pista. Mais do que judo ou halterofilismo, é a modalidade em que as vantagens competitivas masculinas são mais notórias. Basicamente, consiste em andar às voltas num veículo e toda a gente conhece as dificuldades das mulheres quando circulam em rotundas.

Além disso, como o ciclismo em geral, este tipo de prova, em que se anda à roda numa bicicleta, presta-se a interferências ilegítimas dos grandes laboratórios farmacêuticos. Ninguém me convence que, por melhores que sejam estes super-campeões, é possível fazer 160 voltas sem estar carregadinho de Vomidrine.

Se bem que, sem tirar mérito a Iuri Leitão e Rui Oliveira, há que dizer que a corrida que ganharam não é tão exigente como fazem parecer. 160 só são muitas voltas para quem nunca teve de andar em círculo no parque de estacionamento do Colombo, à procura de lugar em dia de jogo do Benfica. Claro que pesa muito no físico, principalmente no aparelho cardio-respiratório. Viu-se que, passados largos minutos, os heróis portugueses ainda tinham falta de oxigénio no cérebro. Só isso explica a homenagem que fizeram a Cristiano Ronaldo, imitando-lhe o saltinho. Não faz qualquer sentido. Numa prova cujo conceito é um atleta estar sempre a ser substituído por um colega em melhores condições, Ronaldo não é um bom exemplo.

Entretanto, começa a correr a teoria de que estas medalhas no ciclismo de pista são resultado directo do grande investimento que foi feito no país, sobretudo o muito elogiado velódromo do Centro de Alto Rendimento de Anadia. Lamento discordar, mas julgo tratar-se de uma coincidência. Por exemplo, há anos que investimos em infraestruturas dispendiosas como estações de metro com escadas rolantes e elevadores avariados e, até agora, ainda não ganhámos nenhuma medalha em escalada.

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