A vaga de exonerações que tem vindo a marcar a ainda curta presidência de João Lourenço está longe de merecer uma avaliação consensual. De facto, se há quem enalteça a coragem do novo líder, também há quem levante a hipótese de se tratar de uma liderança a prazo. Tipo contrato temporário ou a termo incerto. E, ainda, quem considere que está em andamento uma revisitação do modelo anterior.
Aqueles que já falam numa perestroika angolana valorizam, sobretudo, a desconstrução do nepotismo herdado. Daí a exoneração de Isabel dos Santos da Sonangol. Por isso, a cessação dos contratos entre a Televisão Pública de Angola (TPA) e a Semba Comunicações, empresa partilhada por dois filhos de José Eduardo dos Santos, vulgarmente conhecidos como Tchizé dos Santos e Coréon Dú.
Assim sendo, dos filhos do anterior Presidente apenas José Filomeno dos Santos se mantém em funções à frente do Fundo Soberano de Angola (FSDEA). Uma permanência a curto prazo, mesmo que João Lourenço deixe à UNITA a responsabilidade pelo processo que conduzirá à exoneração – ou à demissão – do ainda líder do FSDEA, devido à participação no escândalo dos Paradise Papers.
Será o desmontar de um modelo que, numa síntese rápida, poderá ser designado como a gestão unifamiliar – e militarizada – de um país.
Uma desconstrução que tomou forma quando João Lourenço nomeou Carlos Saturnino, que tinha sido demitido por Isabel dos Santos da Sonangol Pesquisa & Produção, para Secretário de Estado dos Petróleos, um órgão que tutela a Sonangol. O ajuste de contas era inevitável. Dito de uma forma mais clara: Saturnino saneou quem o tinha saneado e passou a liderar a Sonangol. Com o óbvio beneplácito dos necessários decretos presidenciais.
No âmbito das competências que lhe são cometidas pela Constituição, João Lourenço tem legitimidade para tomar as decisões atrás mencionadas. Decisões que, como era expectável, estão a ser bem recebidas por uma parte considerável dos angolanos. Mesmo por muitos daqueles que, ainda há pouco, idolatravam o anterior Presidente.
Decisões que, até ao momento, têm tido como alvo a família dos Santos e quadros da administração pública, mas que têm deixado de fora outros grupos de interesses instalados em Angola. Afinal, a gestão não era apenas civil.
Cada coisa a seu tempo? Veremos. Desde logo, se João Lourenço dispõe de tempo.
É por isso que há quem duvide do verdadeiro alcance das exonerações. Talvez porque saiba que na tradição pós-independentista africana, não são raros os casos em que o Estado se confunde com o partido hegemónico – ou único – e com o líder partidário.
É um facto inquestionável que os resultados das eleições gerais de 2017 penalizaram bastante o MPLA. Porém, o partido não mudou de líder. João Lourenço não desconhece que chegou à presidência por ter sido indicado como cabeça de lista do MPLA. As eleições foram gerais. Em Angola não há separação entre as eleições legislativas e a presidencial. O Presidente sabe que deve ao partido a sua indigitação e eleição. A sua legitimidade não decorre de uma eleição direta e pessoal.
João Lourenço tem perfeita consciência de que não pode governar contra o MPLA, mesmo que retire ao partido o protagonismo resultante do sincretismo já enunciado. Apesar do seu debilitado estado de saúde, José Eduardo dos Santos ainda é o Presidente do partido. As exonerações dos seus familiares diretos dificilmente mereceram a sua aquiescência. O novo Presidente parece seguir o lema: Nobody succeeds as a sucessor.
Será que João Lourenço vai avançar no próximo Congresso para a liderança do MPLA? É bem provável que o agora Presidente da Republica se veja nessa contingência ou assuma esse desejo.
Uma centralização ou personalização do Poder. Um avanço no retrocesso.