A visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Angola está a ser pautada por sucessivos banhos de multidão. Para muitos analistas, a marca da vida habitual sabendo o relacionamento privilegiado de Marcelo com a água e com as multidões.

De facto, quem não se lembra do candidato Marcelo a atirar-se ao Tejo em 1989 na tentativa, ainda que infrutífera, de nadar até à presidência da Câmara Municipal de Lisboa? Ou dos banhos sazonais no Algarve, uma forma de continuar a gozar de protagonismo mediático na silly season? Sem contar com o tradicional banho de ano novo, um episódio com cobertura televisiva garantida, mas com concorrência popular de outras praias.

Essa relação com a água – e, obviamente com os mass media – não foi quebrada quando Marcelo chegou a Belém. Quem não se lembra dos banhos de água doce nas praias fluviais das zonas atingidas pelos incêndios de 2018 e carentes de afetos? Ou dos mergulhos em águas açorianas aquando da visita ao arquipélago? Ou do banho nas cálidas águas da baía de Luanda quando Portugal aceitou que o processo que envolvia Manuel Vicente fosse confiado – coisa diferente de julgado pela – à justiça angolana?

Por falar em Luanda, na visita de Março de 2019 Marcelo voltou a não esquecer o banho de mar. Só que não se contentou com esse retemperar do corpo. O espírito exigiu mais e logo à saída do aeroporto. Quis um banho de multidão. Melhor: banhos no plural.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Presidente das selfies está sempre disponível – um sinónimo imperfeito de «ávido» – para um mergulho na multidão. As imagens televisivas não mentem. Seja em Luanda ou no Cubango. Uma receção apoteótica e com direito a gritos entusiásticos de «Marcelo, nós te amamos». Uma forma africana de bem-receber as visitas, sobretudo quando a paragem não é demorada.

Imagens que trazem à memória outras ainda a preto e branco da RTP. Imagens de outra visita e de outro Marcelo. Aquele que deveria ter sido o padrinho do atual Presidente da República. Imagens datadas de 1969. Uma ocasião em que milhares de angolanos, de todas as cores, encheram as ruas para aplaudir o Presidente do Conselho Marcelo Caetano.

Para o regime então vigente era a portugalidade a encher as ruas de Luanda. Uma leitura com objetivos políticos e claramente redutora. A assistência era marcadamente heterogénea. Muitos desconheciam ou recusavam a definição de portugalidade. Limitavam-se a dar corpo à forma angolana de estar na vida. Uma angolanidade que não dispensa uma novidade agradável que quebre a rotina diária. Afinal, como Hemingway escreveu, a vida é – ou deveria ser – uma festa.

Por isso, na conjuntura atual, o tio Célito foi o feliz usufrutuário desse espírito angolano. Feliz porque os angolanos começam a ter motivos para serem mais pródigos nas comemorações. As alterações políticas internas estão a assumir a condição de catarse de uma ânsia longamente controlada e reprimida sempre que o Poder se sentiu incomodado.

Porém, agora como no Estado Novo, querer ver nessas imagens mais do que aquilo que realmente representam é gostar de persistir no erro. Uma escola a que não faltam seguidores. Não foi em vão que Maquiavel alertou Lourenço de Médicis para o perigo representado pelos aduladores ou lisonjeadores.

Os banhos de multidão não traduzem por inteiro o estado das relações entre Portugal e Angola. O desanuviamento atual só é de saudar se for acompanhado por medidas concretas e não se limitar a mais uma verborreia de frases feitas.

Quanto ao próximo banho presidencial até pode dispensar a água como aconteceu nas Jornadas Mundiais da Juventude. O que não pode faltar é a multidão, ou, em alternativa, a comunicação social que alimente essa multidão.

A vida e a agenda de um populista, perdão, de um Presidente, são assim!