Joe Berardo, o comendador dos jornais, foi à Assembleia da República, e com o que disse ou não disse, e com as fotos que tirou ou não tirou, o país ofendeu-se. Aparentemente, ter-nos-á faltado ao respeito. Terá faltado ao respeito ao primeiro-ministro, que se referiu solenemente ao “desplante” de Berardo. Terá faltado ao respeito aos deputados, e através desses eleitos da nação, ao povo que nas redes sociais, entre fotos de gatos e pataniscas, lhe chamou vários nomes. O comendador deve milhões à CGD. Ter-lhe-ia ficado bem alguma contrição. Mas riu-se.

Fica sempre bem exigir respeito. Mas o respeito é também algo que se faz por merecer. Por isso, vale a pena perguntar: o primeiro-ministro, os deputados e o povo das redes sociais mereciam o respeito que esperavam do comendador Berardo?

Experimentem isto: ponham-se no lugar do comendador. Quem têm à vossa frente, na comissão de inquérito? Quem imaginam que vos esteja a ver lá fora, nos ecrãs da televisão ou do telemóvel?

À sua frente, à volta da mesa parlamentar, a fazer-lhe perguntas, o comendador tem os políticos que chegaram àquele lugar sob a protecção de outros políticos que também o ajudaram a ele, Berardo, a fazer dívidas de milhões. Os políticos que agora querem fazer dele o bode expiatório foram os políticos que puseram o banco do Estado a emprestar-lhe dinheiro. Os políticos que agora fingem que este caso justifica até a nacionalização da banca foram os políticos que com as operações a que o comendador se prestou já visavam precisamente uma espécie de nacionalização da banca – nesse caso, o controle do BCP. Imaginem, portanto, Berardo a olhar para esta gente, a lembrar-se de velhas cumplicidades. Que queriam que fizesse? Que mostrasse respeito por quem tem este “desplante”, para usar a linguagem do primeiro-ministro?

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E lá fora, atrás dos ecrãs, quem está? Lá fora, a indignar-se, está uma sociedade que, segundo as sondagens, se prepara este ano para reconduzir no poder o mesmo grupo de amigos e de famílias que, em mais de vinte anos de governo, pôs o Estado à beira do colapso financeiro e fez da economia portuguesa uma das que menos cresceu na Europa neste século. Lá fora, muito enervada, está uma sociedade segmentada, em que quem pode faz lobby ou greve para aumentar a sua quota parte nas rendas garantidas pelo Estado, e quem não pode, se abstém e pensa noutra coisa. Que queriam que o comendador fizesse? Que mostrasse respeito por quem não parece ter respeito por si próprio?

No tempo de Sócrates, um governo conspirou para controlar o Estado, a banca, as grandes empresas e a comunicação social, numa manobra típica daqueles regimes musculados onde ainda se fazem eleições, mas já ninguém respira. Nem as instituições, onde o poder judicial esteve açaimado, nem as oposições, incapazes de alternativa, nem o eleitorado, que em 2009 reagiu obedientemente aos aumentos da função pública, foram capazes de enfrentar esse “mecanismo”, finalmente comprometido pelos mercados de capitais em 2010. Nos últimos quatro anos, o mesmo grupo de amigos e de famílias que rodeava Sócrates recuperou poder e influência, sob a protecção financeira do BCE e com a colaboração do PCP e do BE. E mais uma vez, nem as instituições, nem as oposições, nem o eleitorado parecem em condições de resistir.

Berardo, que foi um peão das manobras socráticas, vê tudo isto – e ri-se.

Ri-se de António Costa, dos novos comparsas parlamentares de Costa e daquela oposição cujo ideal é aliar-se a Costa.

Ri-se de si e de mim.

E você, leitor? Se estivesse no lugar dele também não se ria?