No Público de 7-11, Susana Salgado questionou “O princípio do fim da liberdade de expressão?”. Para além de manifestar preocupação em relação às fake news e às redes sociais, sugere que a democracia, em defesa dos seus valores e frente aos populismos emergentes, adopte uma atitude fiscalizadora do exercício da liberdade de expressão.
Pergunta: “deve haver liberdade de expressão numa sociedade democrática para quem defende valores não democráticos?”. A resposta só pode ser uma: sim! A democracia não é o regime político de alguns, mas de todos e para todos, ou seja, também para os que não são democratas e até defendem valores antidemocráticos. Aliás, também se aplica a justiça aos injustos e os cuidados de saúde aos suicidas. Em nenhum caso se admite que um Estado de direito recorra aos métodos terroristas, nem sequer para combater o terrorismo. A democracia é para todos, ou não é democracia: não há democracias a meias, ou apenas para os que defendem valores democráticos.
Diz que, “em teoria, um democrata não rejeita a liberdade de expressão do que é diferente”. Um democrata não é quem, “em teoria”, defende a liberdade de expressão, mas quem, na prática da vida pública, a exerce e respeita. Todos são democratas “em teoria”: os regimes comunistas também se consideram ‘democráticos’ e o próprio Hitler, eleito democraticamente, considerava-se o legítimo representante do povo alemão. Mas, destes democratas “em teoria”, Deus nos livre! Uma democracia, sem uma prática política plural e livre, não é uma democracia, mas a sua caricatura.
“O que será então mais democrático: dar espaço à expressão de ideias que desafiam o que é considerado democrático na nossa sociedade, ou simplesmente silenciá-las, limitando a liberdade de expressão?” Censurar ideias?! Nunca! Em tudo e sempre, liberdade de pensamento e de expressão! Silenciar o pensamento divergente é o denominador comum de todas as tiranias, sejam de esquerda ou de direita. As ideias e os pensamentos não se silenciam, mas criminalizem-se as acções contrárias à liberdade e à dignidade humana. Se se proíbe o Mein Kampf, de Adolf Hitler, não há nenhuma razão para também não censurar o Manifesto comunista porque ambos são apologias de ideologias antidemocráticas. Com efeito, o parlamento europeu equiparou o comunismo ao nazismo, ao aprovar, por 535 votos a favor, 66 contra e 52 abstenções, a resolução Importance of European remembrance for the future of Europe.
Mas, pergunta, permitindo uma total liberdade de pensamento e de expressão, não se estão a permitir “manipulações intencionais” da opinião pública? Claro que sim, porque o reconhecimento de qualquer liberdade pressupõe o risco do seu abuso. A existência do matrimónio também possibilita a violência doméstica, que não se resolve proibindo o amor conjugal, mas penalizando os comportamentos agressivos. Nunca “a liberdade de expressão de uns significa a opressão de outros”, porque o ordenamento jurídico, que deve assegurar a efectiva liberdade de expressão de todos os cidadãos, também prevê os mecanismos de prevenção e punição do crime de abuso desta liberdade.
É verdade, como se diz neste artigo, que as redes sociais “intensificam angústias e ressentimentos e amplificam a sua visibilidade” e que “o ódio polariza e prepara o clima para que a desinformação e as notícias falsas sejam aceites”. Mas é ingénua a suposição de que as redes sociais inventaram este sentimento: o comunista ódio de classe, ou o nazi ódio antissemita, não precisaram das redes sociais para se imporem, e causarem milhões de vítimas. As redes sociais, como a imprensa, a rádio e a televisão, são apenas meios técnicos, que tanto servem para o bem como para o mal. Mas não se combate o ódio, ou a desinformação, com a supressão da imprensa, ou o controle das redes sociais. Combate-se o ódio com a caridade e a desinformação com a verdade, mas não com a censura, nem com o silenciamento dos dissidentes.
As redes sociais, não obstante as suas evidentes fragilidades, prestam um inestimável serviço à democracia, como contra-poder dos grupos económicos e políticos que controlam os meios de comunicação social. O unanimismo dos media portugueses é, infelizmente, uma realidade; por exemplo, na gratuita publicidade às iniciativas fracturantes e no sistemático silenciamento das reações contrárias. Mesmo o Polígrafo, na sua louvável actividade crítica, nem sempre é isento e objectivo e, por isso, também foi contraditado nas redes sociais, nomeadamente pelo Notícias Viriato.
Muito embora nesse artigo se apresente Mark Zuckerberg como o grande campeão da total liberdade de expressão, o Facebook remove, censura e silencia, durante períodos mais ou menos longos, alguns dos seus utilizadores, não por questões de ódio ou qualquer prática criminosa, mas por razões que, salvo melhor opinião, atentam contra a liberdade de pensamento e de expressão dos seus utentes.
E, quando os utilizadores “espalham todo o tipo de teorias da conspiração, incluindo os que negam o Holocausto”?! Uma teoria da conspiração, ou o negacionismo em relação ao Holocausto, não se combatem com medidas censórias ou repressivas, mas com a evidência histórica, que descredibiliza e ridiculariza quem nega a realidade. Em questões científicas, históricas e políticas opináveis, não há, nem pode haver, dogmas: só recorre à razão da força quem não tem a força da razão.
Verdadeiramente perigosa é a proposta com que se conclui este texto: “esta é a oportunidade para pensar uma regulação séria do online”! Pior ainda: “Devem os gigantes da Internet (Facebook, etc.) policiar os conteúdos que publicam, ou devem ser os governos e as organizações internacionais a fazê-lo?” Regular?! Policiar?!
Para quem ainda não tivesse percebido que este manifesto obedece a uma lógica totalitária, paternalista e censória, a citação do marxista Marcuse dissipa qualquer dúvida: “o compromisso dos liberais com o discurso livre é absurdo, porque este é apenas mais uma forma de opressão. Mais de 50 anos depois, é essencial encontrar formas de assegurar a participação de todos, regulando simultaneamente os conteúdos publicados”.
Marcuse disse-o, mas Adolf Hitler e Josef Stalin puseram em prática esta grande “oportunidade”: os seus regimes dedicaram-se, efectivamente, a “policiar” o pensamento e a impor uma “regulação séria” dos cidadãos! Portugal é, talvez, o único país europeu em que o comunismo, estalinista e trotskista, ainda tem uma considerável representação parlamentar, o que significa um sério perigo para a democracia. Ante a tentativa de impor uma nova censura, há que defender, sem tibiezas, a liberdade de pensamento e de expressão em Portugal, na Europa e no mundo inteiro.