«Estamos no século XXI e isto não acontece muito longe das vossas fronteiras» – Esta frase foi insistentemente repetida por um professor da Universidade Católica da Ucrânia numa videoconferência da assembleia das comissões Justiça e Paz europeias, da Igreja Católica, que decorreu no dia anterior àquele em que escrevo estas linhas. Esse orador repetia essa frase ao descrever o que se passa no seu país. Particularmente impressionante foi verificar as condições em que proferiu tal relato: disse que iria fazer uma declaração curta e sair logo de imediato, porque tinham tocado as sirenes e teria de correr para um refúgio subterrâneo que o protegia de possíveis bombardeamentos.
Este facto (pessoas abrigadas em refúgios) fez-me recordar histórias que ouvi várias vezes a quem viveu a Segunda Guerra Mundial e que pensava arquivadas num passado remoto. Também as imagens de pessoas desesperadas a fugir para a fronteira mais próxima fazem lembrar esse passado, que parecia bem distante (na Europa, é certo, porque noutros continentes, mais afastados de nós, não tem sido assim).
Onde foi parar a tese do “fim da História” (um mundo pacífico e baseado na universalização da democracia liberal e da economia de mercado) depois da queda do muro de Berlim? Até há pouco falava-se já do regresso da “guerra fria”, agora assistimos a uma guerra “quente” na Europa. O que leva a que se fale na mais grave crise de segurança neste continente desde o final da Segunda Guerra Mundial?
Esse professor, na verdade, aludia precisamente à história da Segunda Guerra Mundial. «A História repete-se» – disse várias vezes. Estamos de novo perante um ditador paranoico que quer dominar o mundo espezinhando os direitos dos povos mais fracos. E citou o célebre discurso em que Wiston Churchill manifestava o propósito de a sua nação lutar por todo o lado («nos mares e nas praias») e nunca se render. Declarou que o povo ucraniano está a sacrificar-se pela sua liberdade, que é também a liberdade de todos os europeus. Não pediu que outras nações se envolvessem na guerra que atinge o seu país, mas fez um apelo a outro tipo de ajudas.
Talvez seja exagerado comparar Putin a Hitler. Mas alguns factos paralelos permitem afirmar que a História se repete mesmo, e, sobretudo, que há quem não aprenda as lições da História.
Como salientou a Comissão Nacional Justiça e Paz na sua nota recentemente publicada, parecem oportunas e atuais as palavras de Pio XII na sua radiomensagem de 24 de agosto de 1939, quando estava iminente o início da Segunda Guerra Mundial: «É com a força da razão, não com a das armas, que a Justiça progride. E os impérios que não são fundados sobre a Justiça não são abençoados por Deus. A política emancipada da moral atraiçoa aqueles mesmos que a desejam. O perigo é iminente, mas ainda há tempo. Nada se perde com a paz. Tudo pode ser perdido com a guerra».
A alusão de Pio XII (que não era, seguramente, e como aqui se vê, o “papa de Hitler”) aos «impérios que não são fundados sobre a Justiça» e à «política emancipada da moral» tinha implicitamente em vista os planos agressores do nazismo. E pode aplicar-se hoje (salvaguardas as devidas proporções) aos planos agressores do governo russo. Hoje, como então, pretende-se justificar falsamente uma guerra de agressão com a alegada defesa de minorias nacionais (os alemães de então, da região dos sudetas, na Checoslováquia, ou de zonas da Polónia, são hoje as minorais russas que vivem em zonas da Ucrânia).
Quando nesse discurso Pio XII afirmava que «tudo pode ser perdido com a guerra», estava a prever as consequências catastróficas que o desencadear da guerra de então viria trazer. Hoje, também verificamos como a guerra da Ucrânia prejudica, sim e antes de mais, o povo ucraniano, mas verdadeiramente não é o povo russo, nem as minorias russas que vivem na Ucrânia, que dela irão beneficiar. E, hoje como então, sabemos como a guerra começou, não sabemos como vai acabar. Verdadeiramente, com esta guerra toda a humanidade perderá.
Dos escombros da Segunda Guerra Mundial e das lições que dela podemos colher nasceu a Carta das Nações Unidas, que condena a guerra de agressão ou como instrumento de regulação de conflitos internacionais. Ao “direito da força”, quis-se substituir a “força do direito” («É com a força da razão, e não com a das armas que progride a Justiça» – já proclamava Pio XII naquele discurso de 1939). Nessa mudança estava a chave para que a terrível e mortífera experiência da Segunda Guerra Mundial não voltasse a repetir-se.
É esta lição da História que há quem teime em não aprender.